No próximo dia 20 de outubro é comemorado o Dia do Poeta. A data foi escolhida devido ao Movimento Poético Nacional, que surgiu na mesma data, em 1976, na casa do jornalista, romancista, advogado e pintor Paulo Menotti Del Picchia. A poesia pertence ao gênero lírico da literatura, na Grécia antiga era cantada e acompanhada pela lira. Em Itapetininga, temos vários poetas, entre eles, Jessé Prado de Almeida, mais conhecido na cidade como Fonão. Fonão utiliza-se do rap para expor seus sentimentos, incompreensões, desejos, tudo presente em sua poesia. Além disto, vem desenvolvendo projetos sociais com crianças e adolescentes, os incentivando a se expressarem através da arte.
O poeta e rapper publicou algumas de suas poesias no livro “Antologia Poética Marginal”, de 2019, juntamente com os outros dez autores com diversas perspectivas sobre o mundo atual. Apesar de ter gostado da experiência e estudar a possibilidade de escrever outro livro de poesias, Fonão está muito focado na produção audiovisual. Sua produção tem como marca o inconformismo e nesse tráfego vem buscando a consolidação de sua identidade artística.
O universo do hip-hop surgiu em momento muito difícil de sua vida. Em 1999, enquanto jogava futebol com os amigos na Vila Orestes, a bola caiu no quintal da casa de seu avô, Ataliba Cipriano, ele entrou na casa e se deparou com o corpo inerte do avô. “Ele morava sozinho e ficava ausente alguns dias devido ao serviço. Achávamos que ele estava viajando, porém o seu olho e seu corpo estava rasgado. O homicídio tinha acontecido a alguns dias. Nunca soubemos quem foi o autor. Aquela cena me marcou profundamente”, relata.
“Eu era introspectivo na época, dias depois ouvi no rádio o rap ‘Cabeça Torta’, do Potencial 3, aquilo bateu em mim, muito forte”, conta. Para quem desconhece o universo do rap, o Potencial 3 (hoje um clássico do gênero) definiu a forma como as métricas eram colocadas nas músicas e as dobras de voz eram realizadas influenciado muita gente, como o rapper Emicida, um dos renovadores do rap nacional.
Decidido, escreveu umas rimas e o amigo Sandro Mancha lhe emprestou um CD de base. “Compus minha primeira música ‘Por um Futuro Melhor’. Lembro-me do refrão: Por um Futuro Melhor, sempre devemos lutar, mas sempre tem alguém, querendo nos derrubar, torço por você que sempre foi meu amigo, que a felicidade sempre possa estar contigo”, relembra.
Na escola Desembargador Bernardes Junior, localizada na Vila Arruda, entrou para o Domínio da Rima, grupo de rap formado em outubro de 1999. Integrante da formação original, pertenciam ao grupo Júlio, Tião, WG e Nega MC. Em 2001, o grupo gravou seu primeiro CD com 12 faixas e se apresentou em várias cidades além de Itapetininga, como Capão Bonito, Boituva, Itapeva e Sorocaba.
Quando ingressou no ensino médio na escola Adherbal de Paula Ferreira, começou a se aprofundar em assuntos como o racismo, desigualdades sociais, entre outros. Nas aulas de história, “a professora sugeriu que eu pesquisasse sobre o ativista Malcolm X, que lutou na defesa dos direitos da comunidade afro-americana nos EUA, nas décadas de 1950 e 1960. Para mim, conhecer as ideias de Malcolm X, entre outros, foi muito importante na minha formação”, conta.
Em 2003 abandona o Domínio da Rima. Teve um período conturbado na sua vida. “Com 16, 17 anos me perdi”, diz. Em 2009 foi preso. Em Casa Branca viveu um período muito difícil. “Comecei a entender o funk. Produzi muita coisa naquele momento. Um fato me marcou bastante. Um detento me pediu para escrever uma poesia para a filha dele de 15 anos. Eu escrevi a poesia como se eu fosse ele. O cara leu e começou a chorar e me disse: ‘você me fez pensar na vida que eu levava, você foi um instrumento de Deus que impactou a mim e não a minha filha, obrigado poeta’”, relembra. Durante esse tempo, produziu muita coisa e escreveu “Oh, Minha Mãe Me Perdoe” especialmente para a sua mãe, Maria. A música foi gravada em 2015, com produção musical de Márcio Dabliueme.
O retorno não foi fácil. Mas ele contou com o apoio do irmão Douglas (“que aprendeu produzir bases quando fui preso”) e de vários amigos, como Naldo D’Brizze que o convidou para fazer parte do grupo Essência D’Guerrilha, e Dabliueme. “Eles me deram uma força enorme para voltar para o rap. ‘Nada a Perder’ foi muito importante na minha retomada artística. Gravei um clipe com ela. Percebi que precisava colocar mais de mim nas minhas letras”, diz.
Nessa época participou de diversas batalhas de poesias (“Poetry slams”, ou apenas “slams”), expressão artística que surgiu nos Estados Unidos na década de 1980. Nessas batalhas, os poetas devem ler ou apenas recitar, sem acompanhamento musical, poesias autorais. O “Slam” é um fenômeno mundial na arte contemporânea.
“Quando compus ‘Poesia da Felicidade’ estava revoltado com a felicidade. Então, como se ela respondesse, eu entendi que a felicidade é um estado de espírito. Me parece que as minhas criações surgem da minha revolta, aí procuro a transformação”, revela.
Fonão cursou o curso de pedagogia e vem se dedicando ao ensino da cultura hip-hop, principalmente em bairros como Vila Arruda. O poeta e rapper acredita muito na transformação que a cultura e o esporte pode trazer na vida de uma criança, de um adolescente. “Quando eu era criança, adorava as artes marciais, fiz judô, porém devido à falta de dinheiro, tive de abandonar este esporte. Depois fiz capoeira, naquela época, o grupo em que fazia parte precisava ir até a Bahia fazer o batismo e eu não tinha condições, acabei abandonando. O rap substituiu isto. Talvez o rap seja minha arte marcial”, reflete
POESIA DO AMOR
Tentando definir o amor
Pra alguns o amor é uma agulha no palheiro
É a busca do diamante por um garimpeiro
Há quem diga que o amor é a bussola
É o vento que leva o veleiro
É o sol que aquece o seu dia
Ou a lua na escuridão
Tem gente que consegue encontrar o amor
Em meio à solidão
Num beijinho de uma criança
Num bolinho de chuva feito pela vovó
Na dedicação por alguém ou por algo
Que você consegue dar o seu melhor
Amar é uma arte quem consegue amar
É um artista
Que não atua pois nessa arte
Você precisa ser realista
Amor é algo natural
E ao mesmo tempo sobrenatural
Muitos conseguem sentir a carência dele
Ao estarem em estado terminal
Amor é a receita
Não melhor, é o ingrediente da harmonia perfeita
Ainda é um grande mistério pra ciência,
Religião, pra políticos e todo o tipo de seita
Amor é a barreira antimísseis
É a caneta que assina o acordo de paz
É a melhor atitude de gratidão
Que você pode retribuir aos seus pais
É a agua jogada na planta
É o carinho do animalzinho de estimação
É o pensamento direcionado nas periferias
Pra se evitar a corrupção
É o reflexo refletido no próximo
Mal que não quer pra si não se pode querer pra ninguém
Amor é a própria liberdade
E não faz ninguém de refém
Amor não tem padrão não tem regras
Talvez a única regra seja amar
Amor não tem patrão
E no seu ninguém pode mandar
Amor não hipnotiza
Ele é suave como uma brisa
Sem algemas ou fardo pesado
É o remédio que a dor ameniza
É luz para o feto que se formou
Para a mãe o bebe que nasceu
Para entes queridos de quem faleceu
O amor é a única coisa que sobreviveu
O amor tá na fotografia
De quem está muito distante
Tá na dedicatória na capa de um livro
Que você com amor guardou na estante
Mas na falta dele gera os conflitos
Internos e externos
Sem amor os paraísos
Se tornam os piores dos infernos
Causa a inveja e a tristeza
De ver a felicidade na vida alheia
Se o amor reinasse na terra
Seria mesmo necessário cadeia
Em cima da cicatriz do ódio
O amor tem que ser tatuagem
Amor pode ser utopia
Pra alguém que viveu pela margem
Pra quem viveu em meio ao caos
Na intolerância do ódio no mundo
Pra quem consegue ter amor em meio à guerra
Esse possui um amor tão profundo
O amor é o toque suave
Nas almas dos desamparados
É a moeda doada aos necessitados
Sem sequer esperar uns trocados
Mas pra alguns o amor é um sonho
É como um salvador que muitos estão à espera
Em lugares atingidos pela fome
O amor é o pão que mata a miséria
Ame ao teu próximo como a ti mesmo
Já li isso em algum lugar
Mas como amar as pessoas se nem a si próprio consegue se amar