O espetáculo “A Hora da Estrela ou O Canto da Macabéa” estará em cartaz hoje no palco do Teatro do SESI Itapetininga, às 20 horas. O trabalho é dirigido por André Paes Leme e tem canções originais de compostas por Chico César com a direção musical e arranjos de Marcelo Caldi. No elenco Laila Garin, Claudia Ventura e Leonardo Miggiorin. A entrada é gratuita e os ingressos podem ser retirados com antecedência pelo sistema MEU SESI. Os ingressos remanescentes serão distribuídos 10 minutos antes do início do espetáculo.
“A Hora da Estrela ou O Canto da Macabéa” narra a emblemática história de uma alagoana órfã e solitária, criada por uma tia tirana, que a leva para o Rio de Janeiro, onde trabalha como datilógrafa. A encenação é uma adaptação ao último livro publicado por Clarice Lispector (1920-1977), que faleceu pouco tempo após o seu lançamento.
Enquanto no romance, a história é contada pela voz de um escritor Rodrigo S. M. (a própria Clarice), na adaptação da companhia carioca a jornada de Macabéa é transposta pelo olhar de uma atriz (Laila Garin), que compartilha a vida da nordestina.
Enquanto Clarice Lispector tem um viés mais interpessoal ao narrar sobre essa heroína, André Paes Leme transpõe a partir de uma perspectiva social. Assim, a dramaturgia (também assinada pelo diretor) propõe que os atores atuem ora como personagens, ora como narradores, possibilitando que o público mergulhe no universo lírico e humanizado da autora.
Com exclusividade o diretor André Paes Leme falou com o Jornal Correio sobre adaptações literárias para o teatro. Ele fez questão de ressaltar que é sempre difícil fazer uma adaptação de uma obra literária, “porque o teatro tem um outro tempo, um outro ritmo, um outro estilo de linguagem, que exige algumas escolhas e estas escolhas são sempre difíceis”, explica.
Para a adaptação do romance de Clarice Lispector, a primeira escolha foi a substituição da figura do escritor. “Eu decidi que o escritor na peça seria a própria atriz que faz Macabéa. Então o dilema que o escritor vive ao escrever esse personagem, a atriz vive. Também é sempre difícil entender quais são os fatos principais que vão entrar nesse tipo de espetáculo que usa o romance, isso é sempre um desafio. Um terceiro desafio que eu acho importante é que parte do nosso trabalho foi transformar fragmentos, textos do livro em música. A música também conta a história e o desafio é saber que partes são essas. Enfim, o importante quando nos fazemos uma transposição de uma narrativa literária nós sabemos que haverá que há uma traição positiva a obra original, uma traição necessária para que você chegue perto de que chegou aquele livro, mas tendo a certeza que é um outro tipo de obra, de trabalho”, conclui.
A talentosa atriz baiana Laila Garin, considerada como uma das grandes vozes do teatro musical brasileiro, vem sendo muito aplaudida pelos seus trabalhos, entre eles, “Elis – A Musical” e “Gota D’Água (a seco)”, falou sobre os desafios de encarar esse trabalho.
“O primeiro desafio que tinha muito fresca em minha memória como referência sublime da Macabéa de Marcélia Cartaxo (do filme de Suzane Amaral, de 1985). Um outro desafio foi a ingenuidade de Macabéa. Como você pode forjar uma ingenuidade depois de ter tido os maus pensamentos? Como você pode dispensar? Retroceder tudo de maldade que a gente já pensou… como você pode desmorder a maçã? Outro desafio é como não fazer caricaturalmente essa ingenuidade dela, essa pureza tão genuína”, diz.
Sobre a construção da personagem a atriz tece elogios ao diretor André Paes Leme. “Além de um grande diretor de atores, ele também é um professor, então ele fez um estudo sobre a composição da personagem, destrinchando suas características”, explica.
Suas pesquisas iniciais para construir a personagem foi através do corpo e da voz. “Não queria fazer uma nordestina caricatural. Até porque eu sou nordestina e esse texto tem uma profundidade que não pede um tipo, um estereótipo”, esclarece.
“Então tive de buscar mais internamente e eu descobri que o caminho era o caminho do amor, porque é muito difícil você não se vitimizar e não ter auto piedade quando você faz Macabéa, porque todas as pessoas maltratam Macabéa, ela tem algo que irrita as pessoas, mas ela não pode ter pena dela mesma e não pode reagir a violência do outro, que normalmente a gente faz. Para se defender, a gente ataca. Então foi difícil ser orgânica e não reativa. Aí eu pensei: eu não posso só ter caminhos negativos. Eu não posso isso, eu não posso aquilo. Eu tenho de me dar alguma proposição de ação proativa e qual é então? O caminho foi a do amor. Ela ama. Vê beleza em tudo e de todos que passam por ela. E também busca uma paz interior que essa forma externa dela pode ser preenchida”, finaliza Laila.
O professor de Língua Portuguesa Felipe Rocha está ansioso para assistir ao espetáculo. “Ao ouvir o nome de um espetáculo baseado na obra de Clarice Lispector, fui levado, de imediato, a uma boa lembrança, dentre todas as experiências literárias que tive na universidade”, comenta. Segundo ele, o nome do espetáculo relembra a própria obra da Clarice Lispector. “Ela, que escreveu mais de uma vez sobre diferentes possibilidades de títulos que alguns de seus textos poderiam ter. A própria ‘A Hora da Estrela’ tem, antes do início, uma lista de outras doze alternativas, por isso um professor de teoria da literatura nos pediu um trabalho no qual nós justificássemos cada uma das 13 possibilidades. Foi muito divertido, um exercício que ajuda o estudante de literatura a criar estratégias para experimentar a mesma narrativa buscando sabores diversos. Ler a ‘A Hora da Estrela’ tantas vezes para fazer o trabalho foi como uma aula de literatura sobre narrador, metalinguagem, modernismo e leitura… Então, desde que ouvi da montagem espero ansioso para ver uma reconstrução desse texto dentro da linguagem teatral”, explica.
Além da apresentação de hoje, “A Hora da Estrela ou O Canto de Macabéa” fará apresentações nos dias 9, 15 e 16 de julho, sempre às 20 h. A classificação indicativa é de 16 anos.
A Metafísica da Resignação
Dos escritores da chamada “geração de 45” do Modernismo brasileiro, a escritora Clarice Lispector destacou-se pelo traço bastante introspectivo de suas produções. Quando “Perto do Coração Selvagem”, seu romance de estreia, foi publicado, a crítica literária, na voz de Álvaro Lins, já aproximava o estilo da autora a grandes nomes da literatura, como James Joyce e Virgínia Woolf, em cujos textos se destaca a preocupação com a interioridade e com o fluxo de consciência.
Em “A Hora da Estrela”, essas características, já esteticamente amadurecidas e amparadas pela reflexão existencial peculiar à obra de Clarice, filiam-se a uma questão social não tão comum em seus romances. A história da alagoana Macabéa, trágica em muitos sentidos, salienta a maneira como a pobreza intensifica o anonimato dos excluídos e os força a uma vida desumana, porquanto marginal e apartada da empatia, cujo olhar lhes poderia ao menos garantir o acolhimento e a compreensão do sofrimento. Rodrigo S.M., o misterioso narrador, reforça esse discurso ao dizer que “ninguém lhe responde ao sorriso porque nem ao menos a olham”.
Embora o desprezo à figura de Macabéa seja latente em “A Hora da Estrela”, a narrativa, à guisa de análise, transcende os fatos e, na intimidade do pensamento, questiona o lugar da consciência no mundo, a natureza do ser e as condições existenciais que o tornam matéria-prima da ficção. Nesse curso, acentua que a personagem, vítima da intolerância, aceita passivamente a alienação e se resigna com a exclusão, a crueldade social e a própria incapacidade para lidar com isso. Dessa inércia, resta-lhe o infausto destino porque falta a ela “o jeito de se ajeitar”, afinal, como destaca Rodrigo S.M., “existir não é lógico”.
Prof. Dr. Daniel Paulo de Souza
Especial para o Correio de Itapetininga
SERVIÇO:
A HORA DA ESTRELA OU O CANTO DE MACABÉA
Local: SESI Itapetininga – Av. Padre Antônio Brunetti, 1360
Datas e horários: 8, 9, 15 e 16 de julho, sempre às 20h.
Duração: 120 minutos
Informações: WhatsApp 15 99839-8846