Milton Cardoso
Especial para o Correio
Ao se debruçarem sobre a história de Itapetininga, pesquisadores, alunos e amantes de História sempre consultam o livro de memórias “Um Adeus a Cada Esquina – Recordações de Gente Nossa”, de Hehil Abuázar, publicado em 1974. “O livro conta a história de famílias de Itapetininga, de cada rua”, comenta o professor Ivan Barsanti Silveira. Além disso, o livro traz vários fatos pitorescos ocorridos principalmente na primeira metade do século XX. Um desses fatos chama a atenção: a queda de um palanque durante as homenagens ao governador do Estado, ocorrida no dia 1º de março de 1936.
“Esse acontecimento teve larga repercussão em todo o Estado de São Paulo. Tornou-se histórico”, escreveu Abuázar. O episódio também foi resgatado neste veículo pelo jornalista Alberto Isaac através da crônica “Quando o Palanque Desabou”. Com efeito, esse fato marcou a história da cidade e, depois de aprofundá-la melhor, redescobrimos mais essa importante visita oficial e relembramos personagens e locais na distante e marcante década de 1930.
A Visita – Era a primeira visita que o governador Armando de Salles Oliveira (1885–1945) fazia à região sul do Estado. Um trem especial deixava a Estação Sorocabana (atual Júlio Prestes) no domingo pela manhã. Sua comitiva era formada por cerca de 50 pessoas, entre elas Dr. Luiz Piza Sobrinho (Secretário de Agricultura), Ranulpho Pinheiro Lima (Secretário de Viação), Fábio Prado (Prefeito de São Paulo) e a esposa do Governador, Rachel Mesquita, e sua filha Lucilla.
Durante o longo percurso, o comboio fez pequenas paradas em São Roque, Sorocaba e Tatuí, antes de chegar ao destino final, Itapetininga, por volta das 15 horas. A multidão tomava conta do pátio da estação e das ruas adjacentes. Em frente à estação, a corporação musical do 5º Batalhão de Caçadores (BC) saudou os visitantes. O Dr. Alcides Torres fez as primeiras saudações ao chefe de Estado.
Armando de Salles e sua comitiva dirigiram-se então para a avenida Peixoto Gomide. Ao longo do percurso, de um lado da calçada, cerca de 3 mil crianças das escolas de Itapetininga e das cidades vizinhas seguravam bandeirinhas do Brasil e do Estado; no lado oposto, a população se espremia em busca de um melhor local.
Em frente ao prédio da Escola Normal, a comitiva se acomodou no palanque para assistir aos desfiles das tropas do 5º BC, Tiro de Guerra, de escoteiros e de alunos. O governante foi ovacionado pelo público presente. No momento em que iniciou o desfile, aconteceu o acidente.
O palanque foi construído por um experiente profissional, mas, provavelmente, devido ao excesso de pessoas na tribuna principal, o assoalho não suportou e desabou. Todos foram para o chão, exceto Armando de Salles Oliveira que, segurando-se em uma das traves, conseguiu sustentar-se. “Descendo depois na maior calma, disse aos circunstantes – ‘Não foi nada’”, descreveu o correspondente da Folha da Noite. Na versão escrita por Abuázar, o governador teria dito “Caí de pé!”
O desmoronamento da tribuna obviamente causou um princípio de pânico. O tenso momento só foi desfeito, segundo o atento jornalista da Folha da Noite, por uma pessoa do público que, com presença de espírito, gritou “Um grande Viva a São Paulo”, sendo acompanhado pela multidão que assistia à cena.
Consta que um militar, no momento do desabamento, estava atrás do governador e, ao ser questionado se o governante teria caído, respondeu: “Não, o governador Armando de Salles Oliveira não cai”, respondeu.
Segundo o correspondente do jornal O Estado de São Paulo, dois meninos ficaram feridos. Eles estavam debaixo do assoalho na hora do desabamento. Um deles teve graves ferimentos e foi socorrido por um policial civil.
Visita à Escola Normal – Devido ao acidente, o programa foi apresentado parcialmente à comitiva. O governador encaminhou-se até a Escola Normal Peixoto Gomide e foi recebido pelo diretor Oscar Leme Brisola, pelo vice Roberto Pasqualini, pelos professores Antônio Antunes Alves, Antônio Pereira Caldas Jr., José Arruda, Péricles Galvão, Eduardo Soares, Elisiário Martins de Mello, Juvenal Paiva Pereira, Modesto Tavares de Lima, Francisco de Paula Santos e pelo padre Antônio Brunetti.
Após uma visita ao prédio, Armado de Salles Oliveira, sua esposa e Dr. Almeida Junior, Diretor Geral de Ensino, foram conduzidos até o Salão Nobre para acomodar-se. O Orfeão infantil escolar, ensaiado pelo professor Modesto, apresentou-se.
Em seguida, o diretor Brisola fez a saudação oficial, seguido por rápidas palavras do Cônego Magaldi. Almeida Junior fez o pronunciamento em nome do governador. Uma cena emocionou os presentes. A aluna da Escola Primária Anexa, Lina Cerqueira de Moraes, fez uma homenagem à primeira dama. Ao final do discurso, emocionada, a menina entregou um ramalhete de flores. Durante o abraço na homenageada, chorou, comovendo todos os presentes.
Visita ao 5º BC e Escola de Farmácia e Odontologia – A comitiva seguiu de carro até a rua General Carneiro, na época sede do 5º BC, sendo recebida pelo comandante da Unidade, Capitão Annibal Tiradentes Araújo Doria, e outros oficiais. Após visita ao local, lancharam e, logo em seguida, foram saudados pelo capitão. A filha do governador recebeu ramalhetes de flores por ser madrinha da bandeira do Batalhão.
A visita à Escola de Farmácia e Odontologia foi longa e meticulosa. O governador foi recebido na porta pelo corpo docente e pelo diretor Pedro Pinerolli. Segundo o correspondente da Folha, o governador “mostrou-se bem impressionado com o que ali via, externando essa sua impressão aos presentes”. No salão principal, o professor Juvenal Paiva Pereira, membro do Conselho Administrativo da Associação, fez um excelente discurso, impressionando a todos. Na ocasião, também falou de improviso o professor Caldas Junior.
Expectativas – Na sede do Partido Constitucionalista de São Paulo, Armando de Salles Oliveira foi recepcionado pelo presidente do diretório, Antônio Vieira Sobrinho (o Cel. Toniquinho Pereira) e recebeu os cumprimentos dos diretores de diversas cidades, como Piracicaba, Itararé, Angatuba, Faxina, São Miguel. Havia grandes expectativas sobre o discurso em defesa da reforma tributária que aconteceria à noite no Cine Theatro Ideal.
No amplo salão do Cine Theatro Ideal, a comitiva foi recebida pela Banda Militar às 21h. O local foi decorado, e as longas mesas em paralelo instaladas para o banquete. Naquela distante noite, o primeiro orador foi o professor Antônio Antunes Alves, que saudou o ilustre convidado em nome de todos os itapetininganos. Antunes fez várias considerações de ordem política, falou sobre a revolução constitucionalista e fez uma análise evolucional daquele governo. Depois, foi a vez de Luiz Bicudo Junior, do diretório do Partido Constitucionalista de Itu, e em seguida do cônego Padre Guerrazzi.
Armando de Salles Oliveira agradeceu a cordial recepção que Itapetininga lhe fizera. Segundo ele, a cidade é “terra de tanto relevo na história de São Paulo e origem de tantos ramos ilustres de nossa gente”. Em seguida, o governador defendeu as diretrizes da Reforma Tributária aprovada pela Assembleia no final de 1935. Consta que o discurso foi transmitido por três estações de rádio: Record, Difusora e Educadora Paulista.
Ao final do grande banquete, todos se dirigiram ao Clube Venâncio Ayres. O tradicional clube ofereceu um baile de gala aos visitantes. Segundo Abuázar, alguns componentes perrepistas se opuseram à homenagem, mas o presidente do Clube na época, o professor Eduardo Soares, não cedeu à pressão. Depois de aproximadamente uma hora, a comitiva se deslocou até a estação ferroviária, retornando à capital durante a madrugada.
Quem foi Armando de Sales
Nascido em 24 de dezembro de 1887 e falecido em 17 de maio de 1945, em São Paulo, estado de São Paulo. Engenheiro civil, formado pela Escola Politénica de São Paulo, destacou-se também como político e empresário, atuando sobretudo no estado de São Paulo. Foi interventor federal em São Paulo entre 21 de agosto de 1933 a 11 de abril de 1935 e governador (eleito pela Assembleia Constituinte) de 11 de abril de 1935 a 29 de dezembro de 1936.
O nome de Armando de Sales Oliveira está associado à criação da Universidade de São Paulo, em 1934, ato que seu cunhado Júlio de Mesquita Filho, diretor do jornal O Estado de S. Paulo, defendera por anos, assim como à fundação da Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo, em 1933.
A Cidade Universitária do campus da USP na capital paulista, o Centro Acadêmico (CAASO) dos campus da USP de São Carlos e o Estádio Armando de Salles Oliveira, receberam seu nome.
Quem foi Hehil Abuázar
Formado pela Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie, Hehil Abuázar foi advogado, professor, escritor, gramático e filósofo. Era reconhecido por ser um excelente orador.
“Abuázar era um perfeito cidadão. Muito culto e educado, tinha uma personalidade introvertida. Uma vez me falou que, quando andava, ficava pensando… filosofando na verdade. Tinha grande poder de oratória. Lembro-me bem de seus discursos inflamados dotados de fortes convicções! Tenho a impressão de que ele não era suficientemente reconhecido pelos meios culturais e sociais. ”, comenta Dr. Roberto Lara.
Alberto Isaac concorda. Segundo o jornalista, Abuázar nem sempre é lembrado. Ele “é um ícone da cultura de nossa Itapetininga e região e deixou uma extensa obra literária”.
Abuázar escreveu diversos livros, como “A Última Lição” (1977) e “Num País Distante” (1986). O mais lembrado, sem dúvida, é “Um Adeus a Cada Esquina – Recordações de Gente Nossa”. “O estilo assimilou-se à bela espontaneidade e simplicidade familiar do narrador desinibido, loquaz, feito com arte, correção e clareza. Dá bem a imagem de alguém que percorresse despreocupado a cidade e a região de extremo a extremo e fosse apontando pessoas, fatos, casas, logradouros, como em passeio vagaroso, sem cerimônias, ao longo de um passado preso a vidas que ainda nos rodeiam”, escreveu o professor Juvenal Paiva Pereira sobre o livro.
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