“Nico” retrata a vida política do ex-prefeito de Itapetininga, entre os anos de 1930 e 1933, Antonio Fogaça de Almeida, que foi um forte opositor à política oligárquica paulista e defensor da Revolução de 30 – que impediu a posse de Júlio Prestes na presidência do Brasil.
A neta do ex-prefeito, Soraya Fogaça, escritora do livro, reuniu um universo de informações sobre a vida pessoal e política do avô e também da participação importante da avó na trajetória do marido, nesta edição do Correio ela apresenta um resumo da sua obra, confira:
Soraya Fogaça.
Especial para o Jornal Correio
Quando hoje nós, mulheres, nos dirigimos à cabine da urna eletrônica e registramos nossos votos escolhendo nossos representantes políticos, fazemos isso naturalmente, como se assim fosse desde o início dos tempos. Mas não. Até o início do século XX, esse direito não era dado às mulheres. Desde o século anterior, havia no Brasil mulheres que lutavam pelo seu direito ao voto. O sucesso dessa luta dependia totalmente do apoio do homem, do cidadão, palavra assim definida no dicionário: “substantivo masculino” e, à época, entendida no seu sentido literal. O direito ao voto só foi possibilitado às mulheres no ano de 1932 por Getúlio Vargas, que foi levado ao poder apoiado por um grupo de políticos e militares, através da Revolução de 30. Antônio Fogaça de Almeida, Nico, protagonista desse livro, participou desse movimento e foi nesse ano, em 1930, que ele se tornou o primeiro prefeito de oposição em Itapetininga.
No dia 4 de novembro de 1930, o povo de Itapetininga esperava aflito a chegada de Ruy Fogaça de Almeida na cidade, para a posse do novo prefeito do município. Ruy era estudante de direito do Largo São Francisco e lutava pela queda do poder oligárquico que imperava no país. Eram 11:30 da manhã quando chega em seu automóvel e, logo na entrada da cidade, é recebido pela Banda Lira Itapetininga e um grande grupo de pessoas que o acompanha até a praça da Matriz. Chamado de ilustre itapetiningano, foi delirantemente aclamado pelo povo. Há um breve discurso no coreto do Largo e Ruy, acompanhado de autoridades, dirige-se ao prédio da Prefeitura para a posse do cargo de prefeito de Nico Fogaça.
Até então, o Partido Republicano dominava o estado de São Paulo. Pertencia a ele os grandes fazendeiros, os coronéis, a elite financeira paulista. Nico também pertencia a ele até o ano de 1926, quando conheceu o Democrático, um partido que nasceu nesse ano com o propósito de abraçar a classe trabalhadora, que não tinha voz na política. Na época de sua filiação no Democrático, Nico ainda morava em São Miguel Arcanjo, cidade em que morou desde que se casou com Francisca Fogaça, Dona Chiquinha. Foi nessa cidade que se deu o início da sua vida política e onde começou o conflito político com Júlio Prestes.
Com 21 anos foi nomeado tenente por Campos Sales, e, em São Miguel, exerceu vários cargos: Delegado, Juiz de Paz, Juiz Federal e Prefeito Municipal. Era comerciante, pintor e desenhista. Com o intuito de fortalecer o Partido Democrático, muda-se para Itapetininga em 1927. Faz parte da diretoria do partido até 17 de setembro de 1929, quando seu pensamento começa a divergir das ideias do partido.
Neste ano de 2022, causou-nos espanto certos partidos, tidos como adversários políticos, unindo-se para tentar combater um governo considerado por muitos como antidemocrático. Não é a primeira vez que isso ocorre na história brasileira. Por volta do ano de 1929, foi exatamente isso que aconteceu. No ano de 1922, surgiu um movimento que ficou conhecido como Movimento Tenentista, que tinha por objetivo finalizar com a oligarquia política e impedir que o Presidente da República eleito tomasse posse. Dia 5 de Julho passado fez 100 anos da Revolta dos 18 do Forte, um movimento que contou com jovens tenentes para derrubar do poder o Presidente e mostrar a insatisfação de como as eleições ocorriam. Foi a primeira ação do movimento tenentista. Derrotados nessa e nas que vieram a seguir, não encontraram outro caminho de conseguir o seu intento que não fosse o da união com quem sempre combateram. Tenentes revolucionários se unindo a antigos adversários, como Artur Bernardes.
Essa união é chamada de Aliança Liberal, que é derrotada nas urnas, mas vitoriosa pela Revolução de 30. O Partido Democrático aderiu à Aliança e Itapetininga se transforma num dos seus pilares, sendo que o primeiro comício do interior paulista em favor de Getúlio Vargas ocorreu nesta cidade. Consta numa reportagem no jornal Diário Nacional do dia 12 de agosto de 1930, que esse fato irritou profundamente o sr. Júlio Prestes, que tomou o ocorrido como insulto.
A força da República Velha acaba com a vitória dos revolucionários de 30. Itapetininga não conhecia outro tipo de governo que não fosse o do Partido Republicano. Quando Nico assume a Prefeitura, talvez para demonstrar a queda desse poder oligárquico, tem como seu primeiro ato como governante a alteração do nome da rua Júlio Prestes para João Pessoa, que assim manteve até após o fim do seu mandato.
O livro Nico conta como foi sua administração, os problemas que um prefeito de oposição encontrou durante o seu governo e como isso influenciou em sua vida familiar, principalmente à época da Revolução de 32, na qual Nico manteve sua posição de apoio à Getúlio Vargas, fato que os políticos paulistas que planejavam essa guerra entenderam como traição. Foi preso por isso.
É a vida de um homem contada através de documentos do Arquivo Público de São Paulo, de muitos jornais da época e de documentos guardados por familiares. Além de conhecer um homem possuidor de grande inteligência, altruísta e bem-humorado, descobri nele um cavalheiro. Entre seus documentos havia os títulos de eleitor de Dona Chiquinha e dele. Como disse no início deste texto, o Código Eleitoral assinado por Vargas deu às mulheres o direito ao voto. Nico vai com Dona Chiquinha tirar os novos títulos, agora com fotos. Ele era a autoridade máxima da cidade, mas fez questão de que sua esposa tirasse antes dele o documento tão esperado por todas as mulheres brasileiras. No dia 7 de janeiro de 1933, dona Chiquinha recebe seu título eleitoral com o número de inscrição “23”. O de Nico foi o “24”. Ela esperou por muito tempo esse direito e ele sentiu, nesse momento, que toda sua luta, todo sofrimento por que passou valeu a pena. Valeu a sua vida. Sua história foi apagada pelo tempo; a esse livro foi dada a honra de restaurá-la.