Milton Cardoso
Especial para o Jornal Correio
Há 65 anos uma brilhante voz silenciou de forma trágica. A morte por afogamento de Almir Ribeiro, nome artístico de Aldimir Torres Ribeiro, aconteceu na praia de San Raphael, Punta Del Este, no fatídico dia 18 de fevereiro de 1958, ao meio-dia, quando o cantor se banhava nas agitadas águas do mar do Uruguai. Sua morte, aos 23 anos recém-completados e no auge de sua popularidade, teve imensa repercussão na mídia brasileira.
“Almir não se encontrava à grande distância da proa, foi arrastado por uma vaga. Por três vezes conseguiu emergir gritando socorro, enquanto as ondas violentas continuavam a arrastá-lo para o largo. Quando finalmente alguém conseguiu lançar-lhe uma boia salva-vidas, Almir já havia desaparecido definitivamente”, assim noticiou o jornal O Estado de São Paulo.
A mesma matéria informa que o corpo do cantor foi encontrado somente no dia seguinte. O translado do corpo aconteceu três dias depois da tragédia, em um voo fretado. Segundo a imprensa da época, no aeroporto de Congonhas se encontravam vários amigos, artistas e familiares. O jornalista Tavares de Miranda escreveu na Folha de São Paulo: “Sexta-feira, à noite, vi o desfilar do povo – como um rio de prantos – diante de seu corpo e de sua voz emudecidos”.
O velório público ocorreu na igreja Nossa Senhora de Fátima, no bairro do Sumaré. Miranda disse que o experiente jornalista Murilo Antunes Alves lhe confessou: “Até agora, esta é a mais difícil reportagem que já fiz”. Almir Ribeiro seria enterrado em Itapetininga, mas devido ao estado de saúde da mãe do cantor, foi sepultado no cemitério do Araçá, em São Paulo.
O enterro foi acompanhado por centenas de fãs. Cerca de cinquenta pessoas de Itapetininga levaram o seu doloroso adeus, entre eles, Cyro Albuquerque, Gildo Holtz, Carlos José e o vereador Hehil Abuazar que falou, antes da descida do caixão, do orgulho da cidade pelo sucesso de Almir e a dor profunda de todos os itapetininganos pela sua trágica partida.
A morte do cantor repercutiu de forma bombástica na cidade. Ivan Barsanti Silveira escreveu sobre Almir Ribeiro diversas vezes, inclusive no seu livro de ficção “A Porta Aberta”. Em “A Curta, porém Intensa, Vida de Almir Ribeiro”, publicada neste jornal, relembrou que a tragédia “caiu como ‘uma bomba’ naquele final de tarde” noticiada pelo locutor Rui de Moura, da PRD-9, Rádio Difusora. Naquela noite, o concorrido baile carnavalesco do Clube Venâncio Ayres perdeu sua alegria. “A maioria dos foliões ficou ‘sem espírito’ de carnaval”, atesta.
Após a morte do cantor, houve ações de amigos e de artistas no auxílio à família de Almir Ribeiro, que era o arrimo da casa.
Ainda em 1958, no dia 21 de junho, Itapetininga prestou sua homenagem ao saudoso Didi, como carinhosamente era conhecido na cidade, em duas apresentações disputadíssimas no extinto Cine Aparecida do Sul, com uma caravana de artistas e uma ação organizada pelos irmãos Vitale da Copacabana.
Naquela inesquecível noite, participaram Ângela Maria, Tito Martini, Manoel de Nobrega, Arrelia, entre outros grandes nomes da época. A comissão organizadora da cidade teve quase vinte pessoas envolvidas, entre elas o prefeito Darcy Ribeiro, Antônio Gama, Bartholomeu Rossi, Carlos José, Ernesta Orsi, Humberto Pellegrini, Paulo Guarnieri de Lara e Plínio Tambelli. Os artistas foram homenageados no Clube Venâncio Ayres com um baile ao som da banda Pan América.
Hoje, Almir Ribeiro, um nome desbotado na memória das novas gerações, foi um artista de estilo único. “Sua voz é um convite ao sonho”, escreveu Chico Vizzoni na revista O Cruzeiro. É difícil mensurar qual seria o auge artístico de sua carreira. Poderia ter alcançado inclusive projeção internacional, afinal convites não lhe faltaram, mas achava prematuro aceitá-los, como de Louis Barrier, empresário de Edith Piaf, para se apresentar em solo francês. No Brasil, consta que foi convidado por Vinicius de Moraes a ser o protagonista caso o filme “Orfeu da Conceição” fosse rodado.
Primeiros Passos – Nascido em São João da Boa Vista (SP), em 9 de dezembro de 1935, era o filho mais velho do casal José Augusto e Mercedes Torres Ribeiro. Foi criado em Itapetininga desde os cinco, seis anos de idade. Viveu na cidade até 1955, quando se mudou para a capital para tentar a carreira de locutor, seu grande sonho.
Em Itapetininga, Didi concluiu seus estudos em 1953, formando-se simultaneamente nos cursos Normal (“Ginasinho”) e Científico (“Peixoto Gomide”). “Era inteligente e logo se destacou como estudante exemplar”, atesta Alberto Isaac. O nonagenário jornalista conta que o professor Graco Silveira prenunciou: “Almir, cantor será o seu futuro”. Na Rádio PRD-9 foi locutor, programador e rádio-ator entre os anos de 1947 a 1954. Também atuou no teatro amador local sob a direção de Humberto Pellegrini na montagem “A Ditadora”.
Almir Ribeiro muda-se para São Paulo em 1955. Na bagagem carregava o sonho de ser locutor radiofônico e cursar a Faculdade de Direito. Após meses de tentativas frustradas de entrar na rádio, desiste do sonho artístico. Frequenta um cursinho para tentar a carreira na advocacia, porém, com os problemas na família, retorna a Itapetininga. Somente com a saúde do pai restabelecida, volta à capital em 1956.
Ele abandonou o sonho de ser advogado e passou a trabalhar como escriturário. “Um dia, numa brincadeira, alguém ouviu Almir cantando. Tudo foi feito para que Nelson Machado, o conhecido produtor radiofônico, o ouvisse. Almir é convidado para uma apresentação no Grêmio Juvenil Tupi”, escreveu o amigo Airton Rodrigues, radialista e apresentador de TV.
“Minha carreira artística começou em agosto de 1956, na Rádio Tupi de São Paulo, tendo ingressado nas ‘Associadas’ através do programa ‘Grêmio Juvenil Tupi’. Quando ouvido por Ayrton Rodrigues, fui incentivado ao prêmio ‘Os Melhores da Semana’, daí surgindo o meu contrato”, contou Almir Ribeiro em uma entrevista ao Diário da Noite. Nessas apresentações usava o nome artístico de Tony Sander. Posteriormente adotou Almir Ribeiro seguindo a sugestão de Cassiano Gabus Mendes, diretor da Tupi na época.
“Lembramo-nos, ainda, da primeira vez em que vimos Almir, num programa musical de Cassiano Gabus Mendes, em que ele interpretava, com raro sentimento, a canção ‘My Little One’ (…). Com aquele ar de ingenuidade, com aquele jeito todo seu de deixar as mãos caídas e desamparadas, Almir causava forte impacto quando começava a cantar. Nossa impressão foi tão acentuada, que não hesitamos um só momento em convidá-lo a participar de ‘Grande Gala Sudan’ (…). Na realização desse programa, tivemos a oportunidade de sentir mais de perto o enorme talento do moço de Itapetininga, que evidenciava uma versatilidade espantosa ao interpretar gêneros musicais de características completamente diversos”, escreveu o produtor Abelardo Figueiredo na contracapa do LP “Spot Light – Nº 2”.
Não demorou para Almir Ribeiro ser o astro de um programa semanal, “Spot Light Popelinita”, que foi ao ar pela primeira vez no dia 25 de março de 1957.
Sucesso na Noite Paulistana – Em setembro de 1956, o proprietário da boate “Cave”, Jordão de Magalhães, levou-o para cantar no badalado local na praça Roosevelt. “Almir Ribeiro surgiu no ‘Cave’ numa noite tremendamente fria”, depois “retornou ao ‘Cave’ para consagrar-se como um dos maiores baladistas destes últimos tempos!”, escreveu Magalhães. A procura era tamanha, que foi necessário realizar dois shows numa mesma noite. Em 30 de outubro, o poeta Vinicius de Moraes ouviu pela primeira vez Almir cantando as músicas de sua peça “Orfeu da Conceição”. “Considero-o uma voz privilegiada. Possui, a meu ver, um dos mais ricos timbres que já me foi dado ouvir num cantor popular”, escreveu o poeta.
No final daquele ano, grava seu primeiro disco com as canções “Amar Outra Vez” e “Canção do Mar” pela gravadora Copacabana. Para finalizar aquele inesquecível ano, ganha o Roquete Pinto de Melhor do Ano na categoria revelação.
Novo Ano, Novos Êxitos – “Spot Light” tornou-se um sucesso em 1957. Abelardo Figueiredo revelou que Almir tinha uma ânsia de aperfeiçoar os recursos de sua voz. “Almir tinha uma perene preocupação: renovar o repertório, apresentar a cada novo ‘Spot Light’, uma novidade, uma canção diferente, um gênero atraente. (…) Almir detestava a repetição. Buscava sempre o novo, o inédito, enfim, tudo aquilo que mais agradava a seu gosto”. O programa foi produzido em São Paulo até 14 de outubro, depois migrou para a TV Tupi do Rio de Janeiro a pedido dos patrocinadores.
Gravou seu segundo disco em 78 rpm, as canções “Pra Bem Longe de Ti” e o samba-canção “Onde Estou?”. A letra dessa música foi tida como uma premonição. “Onde estou, meu Deus? Será que a morte abreviou os dias meus?”. Escreveu Alberto Isaac: “Durante muito tempo, sua voz forte se fez ouvir pelas ondas de rádio de todo o Brasil, como a cobrar do destino uma tão estúpida e prematura morte”.
Fez sua estreia no cinema em “Absolutamente Certo!”, de Anselmo Duarte. O diretor ficou entusiasmado com a qualidade artística do cantor. Esse longa tinha no elenco Dercy Gonçalves, Odete Lara, entre outros. Nele Almir interpretou “Onde Estou? ”. Anselmo tinha planos para Almir participar de outro filme, “O Cantor Milionário”, José Carlos Burle (lançado em julho de 1958).
Em agosto, lançou o LP “Uma Noite no Cave” no Hotel Glória, Rio, e faz uma temporada de sucesso na boate “Beguin”, no mesmo local. Apesar da agenda “apertada” de shows, apresenta-se em Itapetininga, no Cine Aparecida, ao lado da maior cantora da época, Ângela Maria. Em dezembro participa do teatro de revista “Folias 1958” como atração.
Antes do término do ano, foi convidado pelo empresário Carlos Machado para atuar num show em Punta Del Este para animar o carnaval uruguaio de 1958 – iniciando, assim, a sua carreira internacional. Iria interpretar as canções “Sábado em Copacabana”, “Brasil Moreno”, “Dama das Camélias”, “Na Baixa do Sapateiro” e ”Pierrô”. “Já no primeiro show encantou de tal modo os uruguaios e turistas”, escreveu Alberto Isaac.
No hotel uruguaio escreveu para a mãe sobre o sucesso da estreia e dos convites para se apresentar na Argentina e, em maio, nos Estados Unidos. Infelizmente, em 18 de fevereiro estavam findados os seus sonhos artísticos.
Almir Ribeiro gravou seis discos em 78 rpm e dois LPs. A gravadora Copacabana lançou postumamente o long-play “Spot Light – Nº 2” com doze interpretações do cantor no programa “Spot Light” registradas ao vivo.
“Em casa, após o jantar (…) (João) ligou na ‘PRD-9’, Rádio Difusora local e ouviu a tenebrosa notícia – havia falecido naquele dia em Punta Del Este, Uruguai, o cantor Almir Ribeiro, cuja família morava na sua cidade, aliás, perto de sua rua. Almir, cantor da TV Tupi (da rádio, também) em São Paulo e estava trabalhando com o produtor Carlos Machado. Tinha um futuro brilhante. (…) João não acreditou no que ouviu. Ficou aterrorizado. Era a última noite de carnaval. Nem saiu para ver. (…). Não conseguiu dormir direito. Nada…”.
Ivan Barsanti Silveira – “A Porta Aberta: o Glamour dos anos 50 ” (2008)”.