Por: Mayara Nanini
Algumas mãos acolhem, acenam e demonstram ansiedade, enquanto outras simplesmente fazem FLORESCER. Essa é a realidade de muitos Itapetininganos que, no íntimo da simplicidade, deixam telas coloridas, tecidos rebuscados e objetos transformados.
Existe talento que simplesmente nasce com a pessoa. Não há explicação, nem técnica. Vem dos ancestrais, do místico, da observação, habilidades adquiridas e até mesmo da necessidade em fazer algo novo. Tudo pode começar com uma brincadeira ou passatempo, mas se trata, na realidade, da expressão artística maravilhosa e que deve ser valorizada em todas as regiões.
Não é preciso atravessar fronteiras ou romper barreiras para observar o talento nato de pessoas diversas. Basta olhar nas praças, na feira livre, ou ainda em tantos porões de nossa cidade. A verdade é que tais relíquias não deveriam ser trancafiadas em muros de concreto, como uma espécie de lembrança. Precisam ser mostradas ao mundo, como uma forma única de admiração e incentivo.
Setembro trouxe a primavera e voltou nosso olhar para o que faz a alma desabrochar. Mesmo no anonimato muitos artistas deixam a rotina colorida a partir do talento e criatividade.
Walkiria Paunovic é um exemplo de talento. Suas telas retratam sentimentos. “Desde pequena, na escola, sempre gostei de desenho e artes. Quando estava no ginásio, aprendi algumas técnicas e pintava em pedaços de madeira, com tintas de porta do meu pai, pois não tinha material. Estudei pintura em telas depois dos 25 anos. Fiz cursos de Espatulado, Impressionismo e, assim, estudei e me tornei Restauradora, Artista Plástica e Curadora de Mostras de Artes. Itapetininga me inspira, pela natureza e arquitetura. Em minhas telas sempre mostro pássaros, árvores, peixes, cavalo marinho e a arquitetura da cidade. A Arte é uma ferramenta para uma vida melhor”.
E o desabrochar não se limita. Nossa cidade conta com projetos maravilhosos e que salvam vidas. Beatriz Kobayashi é Terapeuta Ocupacional no CEPREVI (CENTRO DE PESQUISA E REABILITAÇÃO VISUAL DE ITAPETININGA) e é responsável por auxiliar na transformação dos beneficiários, por meio da arte de pintura em tela. “Para que os beneficiários conseguissem realizar a pintura em tela foi realizada uma adaptação do desenho para alto relevo com cola plástica colorida, a fim de estimular que tanto os usuários cegos e com baixa visão conseguissem realizar todo o processo de forma mais independente possível. Além disso, para os nossos usuários com baixa visão, também utilizamos o plano inclinado para favorecer o uso do resíduo visual. Pude perceber uma grande diferença nos beneficiários após esse processo de pintura, principalmente no aspecto da autoestima, se sentirem capazes de produzir uma tela, já que para alguns foi um processo totalmente novo, em que se sentiram inseguros. Muitos relataram a seguinte frase: como vou produzir uma tela com a minha visão desse jeito se, mesmo quando enxergava não era capaz?
Em prol dos 20 anos do CEPREVI, tal como o Dia Nacional da Luta da Pessoa Com Deficiência e o Dia Mundial da Bengala, Beatriz e sua colega, também Terapeuta Ocupacional, iniciaram um projeto de exposição das pinturas em tela, onde os beneficiários mostram as habilidades e criatividade, ao invés de se focarem apenas na limitação visual. O Shopping de Itapetininga abriga o projeto e ainda contará com um espaço multissensorial. O evento teve início em 21 de setembro e permanecerá no local até 15 de outubro.
Não se pode deixar de admirar o talento que corre na veia e propaga gerações. É comum observar filhos que aprendem com os pais, e netos que aprendem com avós. Um grande exemplo vem da família de dona Maria Cecília Nanini da Silva. Ela, filha de Anália Vieira Nanini muito observava a mãe, em sua arte de bordados. Tal como via seu pai Fortunato Nanini com bambu e seu arco e flecha de índio. A análise foi tamanha que até hoje gera grandes frutos, seja com guardanapos, almofadas, tapetes, blusas e outras obras. Andreia Nanini da Silva Fonseca e Sandra Aparecida Nanini Ruivo Damião também observaram a avó Anália, e hoje tricotam, bordam e inventam grandes artes com as mãos. Não bastasse tamanho incentivo artístico, o marido de Maria Cecília também agregou a família com um grande dom. O senhor Messias Marques da Silva, tinha um bar na Wenceslau Brás e, ao organizar as latinhas de alumínio, uniu gesso, copo americano, criando assim memoráveis canecas. Tudo era sinônimo de arte para ele. Pinhas foram transformadas em enfeite de avestruz, assim como um motor antigo virou uma funcional máquina de ralar milho. Durante a pandemia também conseguiu ocupar sua cabeça com lindas almofadas de tear. Arlindo Nanini, o irmão de Maria Cecília também entra para o time do talento e fazer suas “violas de madeira”. Há três anos aprendeu a confeccioná-las e desde então vendeu em torno de 40 objetos para pessoas diversas. A delicadeza das obras dessa família encanta e surpreende. Eis a prova de que o talento realmente pode escolher os seus semelhantes.
A família não fez curso técnico de artes. Apenas teve interesse em fazer florescer um dom que corria nas veias. Com observação, insistência e incentivo descobriram uma arte que aquece a alma, conversa com a mente e até auxilia na renda da família.
Outro espelho de vida permeia a família Moreira. Dona Setembrina Gonçalves Moreira auxiliou por 20 anos na Vidraçaria do Primo aplicando jatos de areia nas janelas de madeira. Suas mãos faziam jateados (é uma técnica que utiliza jato de areia para criar um efeito no vidro) delicados e criativos. Muitos Itapetininganos tinham vidros com a arte de Setembrina estampada. Assim, ensinou filhas e netos na confecção de jateado, sendo exemplo de perseverança e talento. Hoje, máquinas substituíram o seu serviço, mas nunca terão a mesma intensidade projetada por ela. E que fique claro. Esse não é o único talento de dona Bina. Ela sempre pintou, bordou, fez tricô e até sustentou sua família a partir do seu talento nato.
Também precisamos enaltecer o trabalho maravilhoso de nossa Itapetiningana Mariana Montanher. Ela á artista visual, formada em Design de Produto pela Belas Artes e, atualmente, cursa licenciatura em Artes Visuais. Desde o início da jornada se inspira na figura feminina. É influenciada tanto pelo realismo, quanto pelas formas abstratas. Utiliza principalmente giz pastel seco e tinta acrílica. “A pintura é um meio de comunicação silencioso, onde as cores, traços e composições podem transmitir emoções, contar histórias e refletir a complexidade do Eu interior. Acredito que não há uma Mariana antes e depois em relação à minha jornada artística, mas sim uma contínua evolução ao longo de 13 anos, desde os meus primeiros desenhos até me considerar uma artista visual legítima”.
E quando se trata da arte estampada na cidade amada, Mariana realça seu contentamento: “Na minha visão, Itapetininga deu passos significativos em relação à cultura e arte. A internet e redes sociais facilitaram a exposição dos variados trabalhos de artistas locais. Embora haja muito mais a ser feito, já é maravilhoso ver como o apoio entre os artistas impulsiona positivamente nossa comunidade artística local”.
As histórias se entrelaçam na arte e mostram o quanto nosso solo é fértil. Somos nós os responsáveis pela manutenção do adubo e principalmente pela irrigação. Devemos apreciar e valorizar a sensibilidade daqueles que se doam por meio da expressão artística, seja com pintura, desenho, bordado, obras derivadas de recicláveis, tricô e outros atos talentosos. A Arte existe e está pronta para auxiliar e curar. Cabe a cada um escolher se encontrará respaldo nela, seja para apropriação da alma, profissão por amor ou como uma fonte de renda hábil a partir do talento que apresenta seu primeiro broto de vida.
Hoje a primavera convida os nossos olhos para apreciarem as mais belas flores. É o momento de sentir o aroma que veio com essa estação tão colorida. E, como diz Beatriz Kobaiashi “Que as pessoas possam se abrir e se permitir a novas experiências. Que não deixem o medo e a insegurança impedir das mãos florescerem algo novo”.