Milton Cardoso
Especial para o Correio
Há exatos 113 anos no porto de Santos desembarcaram do navio Kasato Maru 781 imigrantes japoneses, todos agricultores. Na bagagem traziam muitos sonhos: o de trabalhar, enriquecer e depois, retornar à terra natal depois de 5 anos. Porém, com o passar do tempo a ideia do retorno dos primeiros anos foi sendo substituída pela permanência.
Esse grupo de camponeses veio ao Brasil com intuito de trabalhar no desenvolvimento da cultura cafeeira, importante produto da época, e foram divididos em seis fazendas na região oeste do Estado.
Em Itapetininga, estima-se que os primeiros japoneses chegaram por volta de 1930, porém, o ano de 1933 foi tido como o marco da chegada dos primeiros imigrantes japoneses na cidade. Segundo o engenheiro e professor Jorge Saito, dois anos depois a cidade recebeu cerca de 40 famílias japonesas, trabalhando principalmente no plantio de algodão e, aos poucos, estabelecendo a colônia na cidade.
Saito comenta que os primeiros japoneses que chegaram à cidade fugiam das más condições da colônia de Sete Barras, terceira colônia da região de Iguape, criada em março de 1920. “Meu avô, Rioichi Jugue, morava nessa colônia e viu muitas famílias fugindo do local. Ele resistiu enquanto pode, mas teve que sair às pressas, pois o local foi invadido por caiçaras”, conta.
Dificuldades e Dramas – A colonização japonesa no município de Sete Barras demonstrou em pouco tempo resultados pouco expressivos. Quinze anos depois, pouco mais de 25% das terras haviam sido colonizadas, segundo uma pesquisa detalhada do engenheiro Mário Izumi Saito.
Um dos principais motivos foi a ausência de uma estrada de rodagem entre o local e São Miguel Arcanjo para o escoamento da produção agrícola aos principais centros de consumo, algo estrategicamente significativo. Na época havia somente uma estrada na região que ligava Juquiá a Registro, construída pela Kaigai Kogyo Kabushiki Kaisha (Cia Ultramarina de Desenvolvimento).
Outros motivos apontados para o insucesso como a baixa fertilidade do solo, o clima, os costumes, as doenças e o isolamento contribuíram com a decepção dos imigrantes nipônicos. Sem opções, os japoneses começaram a abandonar suas terras em direção às regiões mais promissoras, como o norte do Paraná, abundante em terra roxa, propícia para o plantio de café.
O Êxodo – Das 231 famílias residentes em Sete Barras, em 1931, pouco mais de 35% residia no local antes do início da década de 1940. Sitiantes endividados e em péssimas condições financeiras fugiam na calada noite e enfrentavam cerca de 90 km de caminhada pela mata da Serra da Macaca até São Miguel Arcanjo.
“Minha avó contava que outra dificuldade dos fugitivos era a chuva na região que encharcava os futons (tradicional colchão usado na cama japonesa). Feitos de algodão, ficavam inutilizados e as famílias tinham que abandoná-los. Ela contava que era uma tristeza danada”, conta Jorge Saito.
Residindo em Itapetininga desde 1984, quando se aposentou pela Sabesp, Jorge comenta que a saga de sua família, como a de milhares de japoneses, não foi nada fácil. “Meu avô, Rioichi, depois de deixar a colônia montou uma tinturaria em Santos. Meu pai trabalhava como contador na Singer, uma empresa estadunidense, e conheceu minha mãe Masuko. Tudo ia bem. Porém, o rompimento diplomático dos dois países, em decorrência da Guerra, mudou tudo”, lamenta Jorge.
Em julho de 1943, os japoneses residentes na região litorânea são despejados. “Meu avô teve de fechar seu comércio, meu pai foi demitido e minha família mudou-se para a capital, residindo de forma precária na extinta Hospedaria dos Imigrantes, na Mooca, juntamente com imigrantes italianos. Meu avô foi um homem muito frustrado por tudo que aconteceu na vida dele no Brasil”, conta emocionado Jorge.
Muitos imigrantes, como Shinai Saito, são “convidados” a se deslocarem para locais distantes da capital paulista. A família Saito, por exemplo, passou a residir no município de Flórida Paulista, localizada a quase 600 km de São Paulo. “Meu pai foi um dos primeiros a aceitar, ele era um homem batalhador, sensato e visionário”, conta orgulhoso, Jorge.
“Com 19 anos, meu pai mudou o seu nome, para poder entrar no Brasil”, conta. Em 1932 as portas migratórias estavam sendo fechadas para os japoneses. “Foi por isto que ele trocou o nome para Shinai, “Fé no Amor”, porque o ideograma é o mesmo na China”, explica.
As dificuldades dos antepassados da família Saito se completam com outras inúmeras histórias da saga do povo nipônico no Brasil. Histórias carregadas de muito sofrimento, porém de muito trabalho árduo e superação. Um pouco deste passado foi contado, em 2008, de forma exemplar através de diversos eventos promovidos pela Associação Cultural e Esportiva de Itapetininga, o sr. Kenzo Kaito e pelo professor Mamoru Ozaki. Neste ano, foi inaugurado na cidade o Jardim Japonês, na Marginal do Chá.
Felizmente, o cenário é muito diferente do encontrado na metade do século 20, hoje a sociedade japonesa está profundamente irmanada com a brasileira. Em Itapetininga estima-se que a região abrigue cerca de 450 famílias japonesas e seus descendentes, aproximadamente 1.600 pessoas que atuam em diversas áreas como serviço público, indústria, comércio e no esporte, como a jovem Itapetiningana Juliana Murosaki, de 13 anos, classificada para o Pan-americano de Badminton na cidade do México. Veja matéria nessa página.