Por Felipe Rocha
Uma noite de carnaval. Cidade do interior, constrangida pela capital e por outras grandes cidades do entorno. O centro. O carnaval de rua. As risadas, a música, a calçada cheia de confete. Pessoas, muitas pessoas. Em comum: apenas a condição humana, a hora e o local. Igualmente diferentes, variadas, diversas, todas existindo no centro da cidadezinha em noite de feriado prolongado.
Certamente, ali, existe alguém que espera há semanas por aquela noite. Há também quem viveu contratempos nos dias anteriores, o plano já fracassado era estar em outro lugar. Alguém, mesmo lá estando, ainda deseja, com ressentimento e frustração, um local diferente para festejar. Possivelmente, alguém quer ir embora. Há quem pense na vida que irá começar apenas depois do carnaval, e há quem não consiga se desligar do trabalho e repassa mentalmente as tarefas não terminadas na sexta-feira, os papéis que precisarão ser entregues na quarta, depois do almoço. Algumas pessoas começam namoros, outras comemoram anos de compromisso, alguém terminou na noite anterior. No meio do bloquinho, coexiste quem trabalha, quem perdeu o emprego no último mês e aquele que aguarda com esperança uma resposta. Muitos estão ali a trabalho, vendem enquanto outros consomem. Alguém pensa na sujeira que permanecerá na rua ao amanhecer. Outra pessoa pensa em quem vai limpar todos os resíduos dos foliões ocupados demais para procurar uma lixeira. Há quem esteja preocupado com o dinheiro, fazendo contas mentais em meio a toda gritaria, surdo e tamborim, calculando quanto ainda resta para gastar. Alguém não veio, porque no meio da semana passada o dinheiro já tinha acabado, quando a conta do supermercado ou da farmácia ficou mais cara: leite, carne, antibiótico, Dorflex. Há quem pense no próximo beijo, ou no beijo anterior, no tema do TCC, na fantasia e nos adereços do carnaval do ano que vem, no nome do filho, no teste de gravidez, na unha encravada, naquela mensagem do Whatsapp, no pote de arroz quase vazio, na nota do ENEM, na dor nas costas, no medo do Covid, e, quem sabe, há pelo menos um alguém que preste atenção no pandeiro e no agogô, que, abençoados, livram-no dos pensamentos que lamentam as dificuldades de viver no Brasil nos últimos anos. Alguma pessoa sente esperança ao observar a diversidade que, ao longo da noite, atravessa a rua. Lá de longe, alguém que não gosta de carnaval se sente sozinho em seu apartamento quando ouve o bloco indo embora. No momento em que a festa acaba, alguém se arrepende de ter ido e, ao mesmo tempo, alguém se arrepende do contrário. Pessoas desejantes de desejos tão diferentes e inusitados recebem o fim da folia e o nascer do sol todas ao mesmo tempo. Todos têm que obedecer ao mesmo relógio, que autoritariamente fará todos os despertadores despertarem os ex-alegres corpos dançantes, demandando produção, excelência e consumismo. Alguém sonha em desistir dessa lógica que é lei apenas para o povo, oprimido por uma ditadura do consumo, sem saúde, nem educação. Alguém quer ver a coroa dos reis e dos milionários na rua, quebrada, amassada, sambada, pisoteada pelos pés da gente que em verdade faz sustentar todo esse reinado. Há quem caminhe para a casa se perguntando sobre a origem do carnaval, de onde vem, se é religioso, social, pão e circo, libertinagem ou exorcismo, mas não há como saber, porque tudo foi separado, cindido, apartado, individualizado e narrado por heróis e vitoriosos. Alguém deseja que a história seja contada pelos perdedores, com detalhes narrativos que só o povo conhece e os reis tentam apagar.
Por fim, ao deitar na cama o corpo exausto pós-carnaval, alguém deseja não estar sozinho, estranhamente sente, sem sequer imaginar, que há naquela mesma cidade corpos se reunindo para coletivamente derrubar a coroa da cabeça do rei. Não por simples revolução, mas pela árdua descoberta de que apenas o coletivo tem forças para destruir e reconstruir estruturas.
Saturno, na mitologia, foi o filho que destronou o pai. A Astrologia Tradicional, em escritos datados há 4.000 anos a.C, vai construindo ao redor desse planeta a simbologia do tempo, da maturidade, da sabedoria, do repúdio ao privilégio e ao ego. É o planeta mais distante observado a olho nu, por isso mais lento e pesado em relação ao seu caminhar ao redor do Sol. Passou os últimos cinco anos em signos de seu território: Capricórnio e Aquário, incomodando e expondo monarquistas, ditadores, autoritários e governantes incapazes de priorizar os interesses do povo. Capricórnio é a Cabra que se estrutura até o topo da montanha, Aquário é o Aguadeiro que lá de cima devolve a água aprisionada no cântaro para o fluxo natural do rio. Este é Saturno: aquele que deseja que todos possam comer, beber e descansar, seu papel é lembrar ao Rei Sol que ele deve nascer para todos, não apenas para os escolhidos de uma mentirosa meritocracia. No dia 7 de março de 2023, Saturno irá abandonar os terrenos capricornianos e aquarianos para adentrar o signo de Peixes, onde ficará pelos próximos dois anos e meio. Depois de compreender que a água privatizada deve voltar a encher os rios, que possamos encontrar amor na união que faz cardumes serem fortes o suficiente para nadar contra qualquer correnteza.
Felipe Rocha é educador, artista, comunicador, licenciado em língua portuguesa e literatura, astrólogo nas horas vagas. Acredita que muitas respostas estão no cuidado da natureza e na leitura de poesia.