Quando perguntei para a jornalista e editora chefe Carla Flávia Pires Monteiro qual música a descreveria, entre “playlist” compartilhada a canção I Was Here interpretada por Beyoncé em sua tradução livre um trecho da música diz. “Quero deixar minhas pegadas sobre as areias do tempo, saber que havia algo lá e que isso significou algo que eu deixei como legado”.
Nascida e criada em Itapetininga, a jornalista escreve sua história como a primeira mulher negra a ocupar uma cadeira na Academia Itapetiningana de Letras. Filha de Selma e Francisco, sempre teve as palavras como seu combustível, e desde jovem, a comunicação desempenhou um papel fundamental em sua vida.
“É um imenso orgulho e responsabilidade ser a primeira mulher negra a integrar a Academia. A presença de pessoas pretas em espaços de destaque é fundamental para construirmos uma sociedade verdadeiramente inclusiva e diversa. Cada passo que damos nessa direção não é apenas uma vitória pessoal, mas um avanço coletivo que inspira futuras gerações a romperem barreiras e redefinirem o possível. Que minha presença seja um lembrete de que também pertencemos aos lugares de protagonismo, com excelência”.
Comunicar sempre esteve presente na vida da jornalista, e na escola fora a reclamação ‘é boa aluna, só fala demais’ o poder das palavras sempre a colocou a frente de diversos projetos e atividades, e em um deles ela conta como descobriu que queria ser jornalista. “Quando estava no primeiro ano do ensino médio, visitei uma feira de profissões com a escola e apesar de ser o clichê do clichê, naquele dia eu descobri que essa coisa falar poderia ser uma profissão: usar a minha voz para dar voz a quem não tem”.
Mesmo com uma profissão em vista se tornar jornalista ainda era um sonho distante para Monteiro. “Para quem veio de uma realidade em que a vida escolar terminava no terceiro colegial, quando não interrompida pelos problemas da vida adulta que chegam antes para quem é de família pobre, a universidade sequer era um sonho. Depois de terminar a escola o caminho era “arrumar um bom emprego numa firma”. Mas, a exemplo da minha irmã Marcela que se formou graças a um programa social eu também passei a sonhar com o Curso Superior”, relembra.
Com sua paixão pelo futebol jornalismo foi sua primeira escolha, Monteiro conta que a principio queria ser repórter esportiva, ficar ao lado do campo nas transmissões de rádio e tv. “Nas salas de aula da faculdade um leque de opções se abriu para mim e pude sonhar ainda mais além. Meu 1º emprego na área foi estágio no Jornal Correio de Itapetininga, veículo tradicional, cobertura raiz de jornal local. De lá para cá trabalhei em portal de notícia e tv, o jornalismo é a minha paixão, que faz meu sangue pulsar”.
Em 2021 descobriu outra paixão em que tem as palavras como protagonista, lecionar e desde então ser professora e ensinar na sala de aula virou uma realidade na vida da jornalista.
E hoje ao receber o convite para se tornar membro da Academia Itapetiningana de Letras Monteiro relembra uma conversa que teve em uma das visitas a Casa Kenedy polo cultural que abriga diversas atividades da cidade, inclusive a Academia Itapetiningana de Letras. “Conversava com meus amigos Jorge e Walkyria Paunovic e questionei ingenuamente: o que é necessário para fazer parte da academia? Ouvi como resposta: Escrever. Rebati, com aquele humor de quem me conhece: então preciso publicar um livro. E recebi como resposta inteligentíssima desse casal que eu admiro: Carla, você já escreve!”.
Após dois anos desse diálogo, a jornalista recebeu o convite para ser nomeada um imortal da Academia Itapetiningana de Letras, ela descreve o sentimento de ser nomeada. “ Receber a carta foi a maior honraria que tive até hoje:, e eu ‘que nasci falando’ não consigo colocar em palavras a emoção de ser nomeada para tal ‘cargo’ e realmente, eu escrevo, diariamente, ouço e conto histórias de pessoas, de lugares, de personagens, notícias quentes (como dizemos no jornalismo), casos policiais, notícias alegres e tristes também (porque faz parte do nosso papel)”.
Em suas palavras, a jornalista deixa uma mensagem como inspiração. “Eu entendo tudo o que sou e represento: ser mulher, ser uma mulher preta não é fácil. Fui a primeira mulher a assumir o cargo de editora chefe em um dos principais veículos da cidade, aos 26 anos. Estar à frente de um veículo tão importante foi uma missão que encarei de frente. Eu sou exceção. Mas também quero dizer aqui que não quero que minha história seja resumida apenas às lutas. Que travo e travarei quantas forem necessárias, a realidade é ainda mais difícil para pessoas negras e isso não é mimimi. Quero ser exemplo para os ‘meus’ e que eu possa saborear as belezas e as vitórias da vida. Como essa nomeação, por exemplo. Estar aqui é o meu chegar lá. Acordo e trabalho diariamente para que a minha exceção vire regra”.
Depoimento dos amigos:
Milton Cardoso: Conheci a Carla Monteiro na adolescência quando se inscreveu no curso de teatro ministrado por mim. Durante aquele ano, além da desenvoltura em se comunicar, se expressar no tablado, demonstrava uma curiosidade quase infinita em discutir e debater sobre vários assuntos tratados no curso e um pulsante desejo de transformar “mundos”, pessoas, sempre aliado a um pensamento crítico coerente, além de uma facilidade de sempre criar e improvisar uma boa história. Hoje, depois de quase 17 anos, essas características e outras tantas fazem toda a diferença no jornalismo de nossa cidade.
Walkyria Paunovic: Carla Monteiro, menina de sorriso genuíno, primeiro vemos o sorriso, depois os olhos, que querem se comunicar, Charles Darwin tinha razão, quando falou, que o sorriso é a expressão facial das emoções, é o portal de acesso direto à alma humana. A jornalista com garra e coragem, que na dança das letras, contribui para uma sociedade mais justa e humana, passa informações corretas, com apuração da verdade. A mulher que sabe que os maiores valores desta vida são, amor a Deus, a Família e a Liberdade. Você é a soma de todos estes atributos, que fazem de você, uma mulher verdadeira, Deus te abençoe.
Mauricio Hermann: Carla representa a mulher negra guerreira e protagonista, mas que esteve sempre à margem da sociedade itapetiningana. É um motivo de orgulho para os pretos e pretas, mas principalmente referência, pois pouco se sabe, pouco se apresenta e pouco se discute o papel da negritude no munícipio. Fazendo uma alusão ao provérbio africano: “O eco da primeira palavra fica sempre no coração.” A primeira palavra nesta academia é sua minha amiga . Asé, Amém, Oxala – Tamo junto!