Prof. Dr. Daniel Paulo de Souza
O filósofo francês Maurice Merleau-Ponty disse, certa vez, que a verdadeira filosofia “é reaprender a ver mundo”. É possível estender o alcance dessa afirmativa a outras áreas do conhecimento ligadas à prática da leitura e às contínuas reflexões que essa prática tem a oferecer, afinal o texto, em suas múltiplas perspectivas e formas de expressão, é o palco em que as ideias são expostas e as informações circulam para alimentar o debate humano e para viabilizar a transformação do sujeito e da sociedade.
Sem esse espaço vital, o da produção constante dos símbolos textuais, não daríamos um passo no aperfeiçoamento da civilização nem denominaríamos dessa forma o que somos e o que desejamos ser. Para a poetisa Cecília Meireles, “a vida só é possível reinventada”, e essa reinvenção só pode ocorrer justamente no campo da linguagem, no momento da interação discursiva, na efetivação do “logos”, quando os homens se reconhecem no plano da ação e passam a atribuir ao mundo um sentido imanente.
Ao longo da História, muitos foram os meios de comunicação que possibilitaram essa elocução de si e o diálogo com a realidade. Como assinalou Marshall McLuhan, esses meios, dada a complexidade de suas estruturas, tornaram-se uma extensão do ser humano e permitiram o desenvolvimento de culturas letradas que dominaram “sequências lineares concatenadas como formas de organização psíquica e social”. Ainda segundo o intelectual canadense, o livro, por exemplo, é um veículo “privado e confessional” de transmissão de ideias que induz a um “ponto de vista”; o jornal, por sua vez, é “uma forma confessional de grupo que induz à participação comunitária”. Neste último, os fatos diários ganham certas matizes a partir do modo como são expostos e terminam alimentando a apreciação e a análise públicas.
Tal finalidade intrínseca à tradicional mídia jornalística torna-a um dos meios de comunicação mais fortes e influentes na sociedade há séculos. Como expediente mediador entre o homem e a realidade, o jornal sempre desempenhou papel fundamental na formação e na ampliação da cultura à medida que produz conhecimento, divulga-o e, com isso, desperta o pensamento crítico. O mosaico de acontecimentos e de opiniões a que ele submete o leitor favorece a pluralidade de perspectivas, de pontos de vista, e estimula a solidez da chamada “esfera pública”, conforme expressão de Jürgen Habermas. Desde que pautado pela transparência e pela honestidade investigativa, ele sempre auxiliará o cidadão a discutir, de forma livre, questões de interesse coletivo e, nessa esteira, a defender os princípios democráticos que devem pautar o cotidiano.
Do “Acta Diurna”, o noticiário de César, aos periódicos modernos, o jornal adaptou-se às exigências de cada época e viu nascer tendências, gêneros textuais, grandes autores e obras prestigiadas. Por exemplo, no “New-York Evening Mirror”, Edgar Allan Poe publicou o seu célebre poema “O corvo”. No “Aesthetic Papers”, Henry David Thoreau tornou público o subversivo ensaio “A Desobediência Civil”. Nas páginas da “Gazeta de Notícias”, foram publicadas dezenas de crônicas de Machado de Assis, textos de Olavo Bilac e de Euclides da Cunha e a campanha abolicionista de José do Patrocínio. A própria crônica despontou como gênero jornalístico para consagrar-se, também, como gênero literário. No “Diário do Rio de Janeiro”, José de Alencar lançou o clássico “O Guarani” em formato de folhetim, a publicação seriada famigerada do século XIX que trouxe a lume romances e escritores emblemáticos.
Esses breves exemplos, rápidas indicações de tudo já produzido, mostram que a mídia jornalística é uma fonte inextinguível de boas ideias e de um saber prático a serviço da cidadania. Mcluhan fala que, de Rabelais a More, “a explosão tipográfica estendeu as mentes e as vozes dos homens” para proporcionar um diálogo “de escala mundial” que atravessa séculos da existência humana. Hannah Arendt, por outro lado, comenta que, sem os fatos e sem aqueles que os viabilizam, não teríamos a chance de qualquer orientação em um mundo de “contínua mudança” e, de forma mais objetiva, “nunca saberíamos onde nos encontraríamos”.
Enfim, esse meio específico de comunicação, ao passo que fomenta a conscientização, que revela o incômodo de uma postura alienante frente ao real e que faz emergir os mais variados pontos de vista, é igualmente tratado como um efetivo instrumento de fiscalização das ações públicas e de denúncia das injustiças e dos abusos sociais.
Uma analogia plausível pode ser feita entre a principal ideia de Kant, na resposta que deu à pergunta “O que é esclarecimento (“Aufklärung”)?”, e o ofício do jornal. Para o filósofo, o esclarecimento nada mais é do que a saída do homem de sua “menoridade”, isto é, da sua “incapacidade de fazer uso do próprio entendimento” sem a direção de outrem. Nesse sentido, o esforço da produção jornalística, em seu conjunto, é exatamente este: mostrar ao homem caminhos para dirigir os próprios pensamentos sem que, para isso, necessite da condução de uma instituição, de um movimento de classe ou de uma outra pessoa. É essencial que ele saiba “servir-se de si mesmo”, que desenvolva um espírito livre e transcenda qualquer forma de dominação.
Ao Correio de Itapetininga, todos os méritos pela perseverança nesse compromisso com o ofício do esclarecimento e por assumir tão bravamente a missão que lhe cabe como facilitador das ideias, das informações e da pluralidade do debate. Ainda que surjam obstáculos, ficam sempre os votos de que o periódico brinde o leitor com outras milhares de valorosas edições e com a contribuição inestimável às Artes, à Filosofia, à Literatura, às Ciências, aos Esportes, ao entretenimento e ao jornalismo em geral.