Hoje e amanhã, às 15 horas, o Teatro do SESI Itapetininga apresenta a encenação “Cora, Doce Poesia”, do grupo paulistano Núcleo Caboclinhas. A montagem presta uma homenagem a escritora, poetisa e contista goiana Cora Coralina (1889 – 1985), pseudônimo de Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas, uma das mais importantes escritoras brasileiras. A entrada é gratuita e os ingressos podem ser reservados com antecedência pelo sistema MEU SESI. No sábado, 17, a peça terá um intérprete de Libras na sessão.
A adaptação dramatúrgica da vida e obra da autora é assinada pelas atrizes do Núcleo Caboclinhas. Elas transpõem no tablado a vida simples, os versos e as lições de vida de Cora Coralina. A trajetória de vida da poetisa é contada e cantada com muito lirismo, música e poesia. Nessa encenação, cada uma das atrizes desempenham uma fase da vida de Cora – sua infância, adolescência, vida adulta e velhice.
“Cora Coralina foi uma poeta da sensibilidade, dos cotidianos. Ela construiu e reconstruiu seus caminhos tantas vezes, quantas a vida e seu coração inquieto lhe convocaram. Na busca pelos sonhos, seus pés percorreram inúmeras cidades e ela vivenciou diversos trabalhos a partir de seus talentos e necessidades. Com sua poesia e olhar sensível e responsável para com o mundo em suas belezas, dores e injustiças sociais, construiu seus caminhos e abriu outros para muita gente”, sintetiza de forma precisa o programa do espetáculo para a escolha da vida e obra da escritora.
Os figurinos (Rogério Pinto), cenografia e direção musical somam a um trabalho consistente de encenação. Para o jornalista e crítico teatral, Dib Carneiro Neto. “As músicas, compostas especialmente para a peça pelo diretor musical Zé Modesto, funcionam muito bem– e liricamente falam da simplicidade da vida da poeta goiana. Repare na excelente forma escolhida para marcar as passagens do tempo, retratando a personagem em várias fases de sua vida, incluindo uma inteligente alternância de atrizes. A cenografia e os adereços de Victor Merseguel são aliados fundamentais”.
O Grupo – O Núcleo Caboclinhas nasceu na capital paulista, em 2007, com o objetivo de pesquisar o rico universo da cultura brasileira (autores, musicalidade e danças) a partir de processos colaborativos de criação dramatúrgica. Ao longo de quase 17 anos de história, o grupo adaptou trabalhos inspirados em nomes de relevância na literatura nacional como Ana Maria Machado, Guimarães Rosa, Patativa do Assaré, Rolando Boldrin e Tatiana Belinky. Bem como, contar a vida de escritores nacionais.
“As contações de histórias são parte do processo criativo dos espetáculos que muitas vezes iniciam de maneira a estabelecer um diálogo mais próximo das atrizes com o público, partindo para a encenação mais aprofundada quando transformadas em peças. Algumas continuam como contações e fazem parte do repertório lírico-musical, assim como os shows, oficinas artísticas e saraus. Essas são produções impulsionadas pela paixão e afinidade com costumes, danças e musicalidades brasileiras e, em sua maioria, são destinadas ao público infantil e infanto-juvenil”, explica o site do grupo.
red
O Núcleo Caboclinhas já se apresentou em diversas cidades brasileiras. Em 2016, realizou uma temporada em Portugal com a montagem “Letras Perambulantes”, sobre a vida e obra do poeta cearense Patativa do Assaré (1909 – 2002).
“Cora, Doce Poesia” em cartaz hoje e amanhã no Teatro do SESI estreou em São Paulo em 2017. E é uma ótima oportunidade para quem gosta de teatro e quer conhecer ou aprofundar o rico universo da poetisa goiana.
A homenageada
Anna Lins dos Guimarães Peixoto, a Aninha, nasceu um ano após a abolição da escravatura. Filha de um desembargador e de uma dona de casa. Recebeu seu nome em homenagem à padroeira da cidade, Sant’Ana, promessa feita na expectativa de salvar seu pai.
Com a morte prematura do pai, cresceu num ambiente cercado por mulheres, porém não se sentia amada por suas três irmãs. No belo poema “Minha Infância (Freudiana) ” escreveu sobre essas memórias. “Quando nasci, meu velho pai agonizava, logo após morria. Cresci filha sem pai, secundária na turma das irmãs”.
Viveu sua infância na Casa Velha da Ponte, um antigo casarão construído no século 18, às margens do Rio Vermelho – atualmente, o local abriga o Museu Casa de Cora Coralina, no centro da cidade de Goiás. No imenso quintal a menina dava asas a sua imaginação. Suas memórias de uma sofrida infância ficariam para sempre eternizadas em seus escritos.
“Sempre gostei de olhar carreirinha de formiga. Seus movimentos. Suas constâncias. Acho que aprendia muito com elas, que formiga muito ensina. Aquele vaivém continuado, aquele poder. (…) O quintal era grande. Meu mundo. Eu olhando, boba. Aprendendo, que formiga muito ensina. Mestras”.
Cora estudou até a terceira série primária, tendo como única professora Silvina Ermelinda Xavier de Brito, a quem havia lecionado a geração de sua mãe. Dedicou seu livro “Vintém de Cobre à Memória” a sua mestra.
Com 11 anos de idade, devido as dificuldades financeiras da família passou a residir na Fazenda Paraíso, propriedade de seu avô materno. Segundo pesquisadores mesmo afastada da escola, a escritora era uma leitora autodidata mesmo sem incentivo familiar.
O pseudônimo Cora Coralina surge aos 14 anos. “Quando eu comecei a escrever, por muita vaidade e ignorância, nesta cidade havia muita Ana. Sant’Ana é a padroeira daqui. E quando nascia uma menina davam-lhe logo o nome de Ana. Nascia outra, era Ana. De modo que a cidade era cheia de Ana, Aninha, Niquita, Niquinha, Nicota, Doca, Doquinha, Doquita, tudo isso era Ana. Você ia procurar saber, era Ana. Então eu tinha medo que a minha glória literária fosse atribuída à outra Ana mais bonita do que eu. Aí optei por Cora. Depois Cora só era pouco, achei Coralina e aí juntei Cora Coralina e passei a me identificar por Cora Coralina”, explicou numa entrevista.
Cora se envolveu na vida literária de sua cidade natal. Em 1910, o professor Francisco Ferreira dos Santos Azevedo escolheu um de seus contos, “Tragédia na Roça”, para ser publicado no anuário estadual de Goiás. Ele teceu elogios ao seu trabalho. “É a maior escritora do nosso Estado, apesar de não contar ainda vinte anos de idade”.
A escritora ganhou o reconhecimento do meio literário, mas não de sua família. Em 1908, conheceu seu futuro marido, o advogado Cantídio Brêtas. O namoro não teve aprovação da mãe. Em 1911, o casal foge e passam a residir em Jaboticabal (SP).
Em Jaboticabal, Cora dedicou-se a criação dos filhos e passou a ser conhecida na cidade como “Cora Florista”, devido paixão por flores e plantas. Ficou, porém, afastada do universo literário. “Quando casei, meu marido era muito ciumento. Não aceitava que eu publicasse, aceitava apenas que escrevesse, mas não que publicasse. Mas durante quase toda a minha vivência da vida conjugal, eu muito pouco escrevia”.
Com a morte do marido em 1934, lutou bravamente para garantir a educação dos filhos desenvolvendo diversas atividades. Mais tarde, com os filhos encaminhados, retornou a sua cidade natal aos 57 anos de idade para cuidar do inventário familiar.
“Fiz a caminhada de retorno, às raízes ancestrais. Voltei às origens da minha vida”, escreveu. “O Cântico da Volta”, escrito três anos depois é considerado um rito de transição. “Voltei. Ninguém me conhecia. Nem eu reconhecia alguém. Quarenta e cinco anos decorridos. Procurava o passado no presente e lentamente fui identificando a minha gente”.
Reclusa em sua antiga residência, Cora trabalhou como doceira enquanto paralelamente produz uma série de escritos a partir de seu reencontro com suas lembranças. Sobre essa época disse: “Eu só pensava nos meus doces, fazendo-os como se fizesse poemas”.
Em 1960, o escritor Tarquínio de Oliveira a incentiva para publicar seus trabalhos. Ele lhe presenteia com uma máquina de escrever e Cora começa a organizar seus escritos. Com 70 anos de idade, ela se matricula em um curso de datilografia.
Em 1964, viaja para São Paulo a procura de uma editora para a publicação de seu primeiro livro, “Poemas do Beco de Goiás e Estórias Mais”, quando tinha 75 anos de idade. Cora morreu em 1985, aos 95 anos.
O reconhecimento nacional ao seu trabalho deve-se a crítica de Carlos Drummond de Andrade. “Seu ‘Vintém de Cobre’ é, para mim, moeda de ouro, e de um ouro que não sofre as oscilações do mercado. É poesia das mais diretas e comunicativas que já tenho lido e amado. Que riqueza de experiência humana, que sensibilidade especial e que lirismo identificado com as fontes da vida! Aninha hoje não nos pertence. É patrimônio de nós todos, que nascemos no Brasil e amamos a poesia. ” [Fragmento de correspondência do poeta com Cora].
Observadora do cotidiano, sua poética é delicada. Escrevia como quem fazia doces. Além de “Poemas do Beco…” publicou “Meu Livro de Cordel”, “Vintém de Cobre – Meias Confissões de Aninha” e “Estórias da Casa Velha da Ponte”. Além das publicações póstumas: “A Moeda de Ouro que o Pato Engoliu”, “Meninos Verdes”, “O Prato Azul-Pombinho”, “Tesouro da Casa Velha” e “Villa Boa de Goyaz”.