“Em qualquer tempo lá estavam os denominados boias-frias”. Desta forma, com uma ponta de saudade – um senhor já passando dos oitenta anos de idade recorda-se do tempo em que, destemidamente, enfrentava os serviços da lavoura em sítios e fazendas de quase toda região. Nem mesmo no festejado e aclamado “Dia do Trabalho”, no 1º de maio ele deixava de comparecer à “espinhosa” tarefa das lides do campo.
Apesar da inclemência do tempo, sempre sujeito a variações, chuvas torrenciais, sol abrasador, vento cortante ou baixa temperatura, religiosamente eles estavam em plena atividade, desde o surgimento dos primeiros raios solares até o término dos serviços, em plena noite.
Assim eram os conhecidos boias-frias, trabalhadores concentrados (por um agente) para prestar serviços em propriedades rurais. Eram as turmas dos senhores Cassamáximo, Otacílio, Zézinho, Joaninho, Delfino de Guarei e outros, embarcados em caminhões destinados a locais distantes desta cidade e também em municípios vizinhos.
Dezenas de caminhões, sem toldo, bancos de madeira nas carrocerias e alguns em pé, são apanhados em pontos determinados das vilas ou no centro da cidade, como Arruda, Belo Horizonte, Rodoviária, Mercado, Olho D’agua, Nova Itapê, Paquetá, Avenida. Aproximadamente 2.000 pessoas, entre homens, mulheres e até crianças se deslocavam para a colheita ou plantio de arroz, batata, feijão, milho, algodão e outros produtos. Utilizavam somente as mãos, com pagamento semanal, recebendo somente os “dias trabalhados”. “São os grandes heróis das jornadas diárias, que dedicavam todos os esforços nas árduas atividades das lides campestres”, como acentuava o ínclito professor de sociologia da tradicional “Peixoto Gomide”, Juvenal Paiva Pereira.
Cidadãos humildes, de recursos escassos, muitos provindos da própria zona rural, mas estabelecidos na cidade, trajavam calça de brim – geralmente tecido grosso e resistente, chapéu de palha com aba bem larga, pescoço coberto para evitar o sol causticante, as mulheres vestindo também calças compridas e blusas de manga longa protegidas igualmente com chapéus de palha. Calçavam normalmente botas ou o folclórico enxuga-poça ou alpargatas roda.
Constituíam o “exército da lavoura” proporcionando, ao amanhecer, uma bucólica paisagem na Itapetininga que despertava e se preparava para os encargos quotidianos. Essas atividades ocorreram há mais de meio século, não existindo as modernas e eficientes máquinas empregadas no campo, substituindo, em grande parte, o serviço braçal. Tempo em que não havia nenhuma garantia sequer para o trabalhador conhecido como boia-fria, como seguro de vida, assistência hospitalar, férias ou salário digno.
Exaltado em música, na década de 70, o cantor e compositor João Bosco entoava canção sobre o boia-fria: “Os boias-frias, quando tomam uma aspirina, espantando a tristeza, sonham com bife a cavalo, batata frita e a sobremesa. É goiabada cascão com muito queijo. Depois café, cigarro e uma mulata chamada Leonor ou Dagmar”. Também a saudosa Clementina de Jesus em antológico samba, com sua potente voz enchia os ares: “Eu não quero essa vida assim não, zambi, eu não quero essa vida assim não…”