Estava chegando em São Paulo. Vi, num muro, a oração, que não é uma prece: “Não existe amor em São Paulo”. Lembrei-me de Camões, pois vivo na época das recordações, destes versos de um soneto: “Que naquilo que pus tamanho amor/ Não vi senão desgosto e desamor/. Já no último terceto, afirmou: “Na vida desamor somente vi”. Vivera e morrera como um romântico que não soube viver e escolher. Vivera pelos outros e escolhera pelos outros e agora, na terceira idade, arrependido do que não fez e fizeram por ele, afirma, como se fosse Bocage: “Meu ser evaporei na lida insana”. Que loucura!
Há muitos que vivem sem viver e quando a morte vem roubar a sua luz, clama a Deus, que é Amor, pois não soube escolher e viver. Lembrei-me da Quadrilha de Drummond e recitei-a, quando dirigia o carro insano: “João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém… Lili casou-se com J. Pinto Fernando que não tinha entrado na história”. O insumo do amor que produz desgosto está no nome do consorte da Lili.
Recitava como se estivesse na sala de aula interpretando um texto, absorto na estrada que sumia no horizonte. O Amor não existe para os ateus, porém existe e está perto de todos e até dos céticos, uma vez que nele vivemos, e nos movemos e existimos. É o Amor que está no Céu e na Terra e que é chamado de Emanuel, Deus conosco. É o Amor que era denominado pelos hebreus de El Shadai, pois é a fonte da bem-aventurança, consolação e é forte e poderoso. É o Amor que era denominado, também, pelos cristãos da esperança de Adonai, governante Todo Poderoso, a quem tudo está sujeito e com quem o homem se relaciona como servo. Amor com letra maiúscula e não o amor sensual que existe, mas é passageiro, carnal, sadista, bestial e masoquista.
O Amor existe e nisto consiste, como afirmou o discípulo que ouviu as batidas do coração humano do Divino Mestre, não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou e enviou o seu Filho como propiciação pelos nossos pecados.
Nós não sabemos escolher o amor e sofremos, porque são os outros que nos escolhem para nós. O Amor Divino é diferente, uma vez que é ele quem nos escolhe para sermos filhos e coerdeiros de Cristo, seu Filho Unigênito.
O amor humano é impaciente, arde em ciúmes, não se conduz convenientemente, exaspera-se, ressente-se do mal, alegra-se com a injustiça e acaba-se no homicídio ou, no linguajar de Camões, no desgosto. O amor, que se origina do verdadeiro Amor, é paciente, é benigno, não arde em ciúmes, não se ufana, não se ensoberbece, não se conduz inconvenientemente, não se exaspera, não se ressente do mal, não se alegra com a injustiça, mas regozija-se com a verdade. O amor que deriva do Amor tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta e jamais acaba, porque é eterno e provem do Eterno.
O Amor é Deus, visto que Deus é Amor e só ele e ninguém mais ama, como ele amou. Só quem vive com o Amor e no Amor pode amar verdadeiramente, porém são poucos e bem poucos, dá até para contar nos dedos.