O contexto político brasileiro nunca foi uma maravilha.
Nossos historiadores narram os mandos e desmandos dos antigos coronéis e barões do café, com seus séquitos e currais eleitorais. Só faziam e desfaziam graças à pouca cultura e dependência do povo, e, sempre, graças à subserviência de políticos menores, que sequer eram coronéis ou grandes agricultores.
Tivemos, contudo, ao longo da história, homens que honraram os mandatos, mas não chegaram a edificar instituições sólidas. O mandatário mais recente, de melhor memória, foi Itamar Franco, que assumiu em contexto confuso e conturbado, e conseguiu só deixar como acusações o controverso topete e uma ou outra aventura amorosa.
Escrevemos uma Constituição, experimentamos a bênção do Plano Real, legislamos a Responsabilidade Fiscal e adentramos a sensação da democracia participativa e responsável. Contudo, as amarras e costumes dos antigos coronéis persistem, agora praticados por personagens, executivos e legislativos, pouco conformados com as legislações que limitam os mandos e obrigam procedimentos.
Agigantamos e malversamos a instituição dos cargos comissionados, confundindo a participação técnica com conveniência partidária, e tornamos cargos relevantes simples objetos de barganha política. Voltamos à antiga pessoalidade e pouca transparência, no desempenho do poder, agora exercido como mero preparativo ao mandato seguinte.
Conseguimos a demolição do maior sustentáculo de nosso regime: a autonomia harmônica dos poderes. O legislativo, subjugado, constitui blocos de incondicional apoio, inclusive malversando CPIs e aprovando, para a Suprema Corte, cidadãos que jamais foram juízes.
A possibilidade nomeação de legisladores com mandato, para cargos comissionados, prostitui ambos os poderes, e a reeleição, que pode ser tentada até sem o afastamento do cargo, agrava todas as mazelas de nosso sistema. Não conseguimos, ainda, a cura da democratite, doença grave que permite, a analfabetos funcionais, incapazes de elaborar e compreender os mais singelos textos e análises, assumirem qualquer dos mandatos legislativos e executivos.
É a democratite que, a pretexto de contornar desigualdades históricas, classifica os cidadãos segundo a cor da pele, e prefere cotas racistas a cotas sociais. É a democratite que devolve, ao meio social, bestas violentas, sem que estejam ressocializadas, maiores ou menores.
É a democratite que paparica o marginal, enquanto na esquina, pouco se importando com o horror que lhe é dispensado, enquanto prisioneiro. É a democratite que, a pretexto de informar, lota a mídia de propagandas desnecessárias e onerosas; no fundo, partidárias.
Não vamos bem, e convém notar que a liberdade edificadora da mídia e das redes sociais incomoda a maioria de nossos homens públicos, que podem, em nome de pretensa democratite da informação, impor limitações à liberdade de expressão. Para governos e políticos que já tentaram censurar antigas obras e autores, sanear as dissidências soa como missão divina.