Por: Daniel Paulo de Souza
Uma obra e um autor têm muito a dizer e a ensinar à sua própria época, às pessoas de seu tempo, afinal o que ambos falam de si e do mundo reverbera na consciência do homem histórico e social. Entretanto, e quando se consideram os chamados “clássicos”, deve-se destacar que a mensagem por eles veiculada transcende o aqui e o agora, pois, conforme diz Italo Calvino, exercem “influência particular” quando se impõem “como inesquecíveis” e se ocultam “nas dobras da memória, mimetizando-se com o inconsciente coletivo ou individual”. Trata-se de uma herança cultural que nos ajuda não só a entender “quem somos e aonde chegamos”, mas também a imaginar a realidade que desejamos construir.
É nessa esteira que percebemos os clássicos como lugar de sublimação das experiências para além do tempo e do espaço. Antonio Candido expõe que “a grandeza de uma literatura, ou de uma obra, depende da sua relativa intemporalidade e universalidade”, ou seja, de sua capacidade de se desligar dos fatores que a prendem a um momento ou lugar. Por conseguinte, ler essas obras significa mergulhar, a partir de suas fabulações, na vida interior da nossa existência para, quem sabe, compreendê-la melhor.
A sequência de artigos que iniciaremos na próxima semana, com publicação mensal, tem exatamente esta intenção: analisar grandes clássicos e seus respectivos autores, de forma a apontar certas lições que eles nos trazem e, também, motivar a leitura ou a releitura deles sob uma perspectiva específica de compreensão. Cabe lembrar que as breves propostas de análise que aqui serão feitas não esgotam os significados de quaisquer obras, pois elas sempre estão abertas a horizontes diversos de entendimento de acordo com os leitores.
Alberto Manguel aponta que nós tratamos as nossas “identidades percebidas” e a “identidade do mundo” como se elas necessitassem de uma “decifração letrada”. Em outras palavras, é como se a experiência existencial humana só fosse tangível pela mediação da linguagem. E quando ela se torna incapaz de dizer as coisas, surgem as metáforas “para incrementar as possibilidades de entendimento mútuo” e ampliar o espaço dos sentidos. Por meio delas, as representações cotidianas são enriquecidas ao ponto de campos distintos de experiência iluminarem uns aos outros.
Aliás, uma das metáforas mais simbólicas das sociedades letradas é a de que o mundo é um livro para ser lido. Sendo assim, segundo Manguel, tomado o mundo como livro, a vida seria uma viagem; o leitor, um viajante avançando nessas páginas. E nada melhor para exercer esse papel peregrino do que ler as narrativas clássicas e entender o que elas podem ensinar sobre esse “livro da vida”. Fica aqui, portanto, o convite para uma jornada por essas fabulações que tanto nos transformam.