Entre nove e dez anos de idade caiu-me nas mãos um livro de capa grossa com muitas páginas (assustei-me até) emprestado por uma tia, a Zezé. “Você vai gostar”, disse ela. O título “Reinações de Narizinho” que tia Zezé, acertou, era bem de acordo com minha idade. Este livro foi meu primeiro contato com o escritor paulista (nascido em Taubaté) José Bento Renato Monteiro Lobato (1882 – 1948). Não só li uma vez como muitas, encantando-me com os personagens criados pelo escritor: Narizinho, a menina do “nariz arrebitado” que deveria ter a minha idade na época, seu primo, o peralta (no bom sentindo) Pedrinho, uma espiga de milho, o Visconde de Sabugosa, criado pela tia Anastácia, a cozinheira da família. Também a sapeca Emília (e coloque sapequice nisso!), o Marquês de Rabicó, um porquinho de estimação também da família. Além de dona Benta, avó das crianças, proprietária do Sitio do Pica-Pau Amarelo, onde as histórias decorriam.
Boneca que fala e age como ser humano? Espiga e porquinho que também agiam como gente? Inacreditável, mas fazia parte da magia do Sítio. Mas Lobato conta com uma naturalidade como se tudo fosse verdade. Narizinho e Pedrinho são crianças normais, mas bastante curiosos que querem saber das coisas do mundo. Ouvem atentamente dona Benta e o Visconde de Sabugosa, que para mim, representavam a consciência humana avançada, progressista, madura, nada conservadora e preconceituosa. Dona Benta e o Visconde observavam a vida sem medos e que tudo seria possível nela. A boneca Emília é anárquica e que na maioria de suas ações usa a inteligência, para ela, muito melhor que a força e também contraria o misticismo e as crendices. Para a excêntrica boneca a razão deveria prevalecer em todas as ações humanas. A narrativa de Monteiro Lobato faz com que o leitor (de todas as idades, parece-me) entre no espirito magico e natural do Sítio. Uma delícia…
Quando foi inaugurada a primeira estação de televisão brasileira em São Paulo, a TV Tupi das “Emissoras Associadas” em 22 de setembro de 1950, um dos primeiros programas foi justamente “O Sítio do Pica-Pau Amarelo”, baseado, logicamente, na obra de Monteiro Lobato, adaptado pelo médico Júlio Gouvêa e a escritora Tatiana Belinsky. Eu consegui assistir durante muito tempo esses programas na casa da família Villar, uma das únicas de Itapetininga na época (início da década de 1950) e que possuía torres altíssimas para a captação de imagens que vinham da capital paulista. Naquela época os programas eram “ao vivo” e cada história deveria ser contada em uma hora por aí. Era tudo artesanal, mas muito autentico. O espirito lobatiano estava sempre presente. Além do que Emília era interpretada por uma atriz extraordinária de nome Lucia Lambertini.
Os personagens televisivos eram os mesmos das histórias e as situações também: as brincadeiras, os brinquedos, as cantigas de roda, o modo de falar, o vestuário (igualzinho as imagens das primeiras edições do livro).
Nada de tecnológico, inovações que seriam estranhas as histórias. Naquele palquinho onde o programa era gravado cabia o mundo. Monteiro Lobato não foi um brasileiro fácil nos campos: culturais, sociais, políticos. Nada fácil. Suas ações causaram problemas para os governos. Mas isto são outras histórias para outros contadores.
Falecidos da Semana
05 DE DEZEMBRO DE 2024 THERESA DE JESUS PROENÇA DE MOURA DATA/LOCAL DO FALECIMENTO: 05/12/2024 ÀS 20:00 HS EM ITAPETININGA-SP IDADE: 83 ANOS PROFISSÃO: APOSENTADA ESTADO CIVIL: VIÚVA DO SR....