Não. O personagem principal deste texto não é Roberto Carlos, também cognominado de “O Rei”, dado principalmente por uma conhecida emissora televisiva, de quem é exclusivo. Não, o cantor seria um outro. Mas vamos aos fatos. Desde menino eu notava que, no final dos anos quarentena e início dos cinquenta, no trecho em que eu morava, na rua Campos Salles, entre a José Bonifácio (hoje: Calçadão) e a rua Júlio Prestes, nenhuma casa residencial perdia a audição, aos domingos, exatamente ao meio-dia pela Rádio Nacional do Rio de Janeiro anunciada pela locutora Lúcia Helena (considerada, mais tarde, uma das mais belas vozes femininas do rádio brasileiro por Caetano Veloso, que, ainda menino, escutava o programa) sob o patrocínio das famosas Casas de Garson, um musical “ao vivo”, com orquestra, auditório e com cantor exclusivo, Francisco Alves, conhecido como o “rei da voz” da música popular brasileira. Francisco ou “Chico Alves” como era conhecido, tinha uma voz abaritonada, sem ser estridente e que cantava os males do amor. Chico Alves, como quase todos de sua época, era um cantor do povo, vindo de uma classe média-baixa economicamente, que não teve oportunidade de grandes estudos, sem muitas leituras, nenhum estudo vocal, mas com um enorme dom para a música. Pronunciava as frases musicais com perfeição, sofria conforme o conteúdo das canções e era disputadíssimo pelos compositores da época como Ary Barroso (Chico foi o primeiro a gravar “Aquarela do Brasil”, considerado o segundo hino nacional brasileiro) como também por Erivelto Martins e David Nasser, principalmente no carnaval. Ao contrário, bem ao contrário, dos ídolos de hoje, Francisco Alves não vivia enclausurado “em fortalezas”, nem era acompanhado de seguranças (embora fosse sempre tocado pelos fãs).
Ele, antecedendo o que o cantor e compositor Milton Nascimento escreveria muito depois, estava sempre com o povo (carioca e outros brasileiro) nos bares, nas ruas, nos auditórios, sempre aberto e solicito. Não se escondia, era um homem (quase) comum como se fosse aquele nosso vizinho da porta. E cantava principalmente músicas brasileiras, feitas aqui com ritmo nosso. Cresceu ouvindo valsas, sambas, sambas-canções, não tendo nenhuma influência alienígena ou estrangeira era brasileiríssimo (como Chico Buarque, é, hoje), uma espécie quase em extinção, infelizmente. É certo que algumas vezes, por imposição das gravadoras, registrava em disco, alguns Foxes norte-americanos mas isto acontecia muito raramente. O povo brasileiro deu-lhe o título de “rei da voz da música brasileira” (diferentemente de Roberto Carlos que canta baladas em estilo “pop”, canções feitas aqui, mas de inspiração de som italiano, as baladas). Quando Chico Alves morreu em setembro de 1952, aos 52 anos de idade na Rodovia Presidente Dutra (Rio-São Paulo), em desastre de automóvel estava indo para a “Cidade Maravilhosa” após um “show” em praça pública de São Paulo. Seu enterro, o Rio de Janeiro, foi acompanhado por 200 mil pessoas. São impressionantes as imagens flagradas pelos repórteres fotográficos do “O Cruzeiro” revista de maior circulação nacional da época. É evidente que a mídia atual, notadamente a televisiva, está dizendo algo a Francisco Alves. Sua memória merece ser ativada. Merece sim.