Selvagens

Nada mais passageiro que a felicidade humana.
Somos movidos por objetivos e quereres, que perdem o encanto quando passam a integrar o cotidiano. A vida é uma sequência de objetivos, frustrados ou atingidos.
A realidade, nua e crua, parece indicar que, para a maioria de nós, estar bem é estar em situação melhor ou semelhante aos com quem convivemos. A felicidade, em seus momentos, é comparativa.
A humanidade desceu das árvores e saiu das cavernas, mas ainda mantém intactos os instintos mais primitivos, que vez ou outra são manifestados. O avanço da tecnologia e a obtenção do progressivo conforto, aliados aos ganhos da cultura e educação, não foram suficientes para a erradicação dos conteúdos animalescos que todos portamos.
O instinto de sobrevivência, tão marcante em animais, aves e até plantas, tem na espécie humana um sabor de manutenção de status. Enquanto animais e aves tratam de manter, a todo custo, a própria vida, os homens emprestam-lhe a busca de preservar bens e influências pessoais, também a todo custo.
A história da humanidade é uma sucessão de feitos heroicos e atitudes selvagens, que persistem até hoje. Enquanto voluntários e abnegados dedicam a vida ao socorro dos desvalidos, há quem se ocupe de degolar desafetos e implodir multidões.
Na política, a humanidade encontra seu modo mais civilizado de manifestar sua selvageria. Vez em sempre, roubam os recursos que fazem falta ao atendimento das mais básicas necessidades da população, como saúde, segurança e educação.
A busca incessante de acumular bens e poderes raramente é freada por imperativos éticos ou princípios morais. Vale, na política, o conforto de imaginar que praticam males useiros e vezeiros, tal qual a maioria do entorno.
Somos, em essência, egoístas, e fazemos poses heroicas ao repartir o que não nos fará falta, ou o que sequer utilizamos. A animalidade humana costuma andar recolhida, até que se adquira alguma autoridade ou poder de mando.
São poucos, raros, os que conseguem exercer a autoridade sem pisotear pessoas. A demonstração imotivada de autoridade, pelo simples prazer do mando ostentado, frequenta ruas e esquinas, plenários, escolas e empresas.
A solidariedade humana, de tão pouco praticada, vira manchete e exemplo, quando manifestada. Contam-se nos dedos de poucas mãos os que amam os próximos como a si próprios.
Até desvalidos e miseráveis pisoteiam semelhantes, quando de alguma condição de superioridade. A selvageria não tem classe social.
As selvagerias e desonestidades dos governos seriam bem menos sentidas se a humanidade conseguisse livrar-se de seus instintos mais nefastos. Aliás, fossemos menos primitivos e egoístas, governos que escravizam sequer seriam constituídos.

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