Diante de uma plateia lotada no último sábado, o auditório da Casa Kennedy recebeu a cantora, compositora e professora itapetiningana Kátia Baroni, que encantou o público presente com o seu novo projeto “Baruio no Terreiro”. O repertório, composto em sua grande maioria de músicas autorais, valoriza certas manifestações culturais, como fandango e catira, que fazem parte do riquíssimo acervo de nossa região e que, infelizmente, são pouco valorizadas principalmente pelas novas gerações.
Esse projeto, desenvolvido ao longo desses últimos cinco anos, é o resultado de uma longa pesquisa sobre cultura popular iniciada na adolescência. Kátia conta que seu primeiro contato com a tradição da dança de São Gonçalo surgiu durante uma quermesse da Varginha. No bairro rural conheceu Dona Anália, que a convidou para participar da dança em casa. Para a intérprete, essa descoberta foi essencial para forjar sua identidade artística única. E “Baruio no Terreiro” consolida essa maturidade artística.
“No Terreiro”, “Pra Cidade Grande Não Quero Voltar”, “Nativas”, “Xé”, entre outras composições, mostram a segurança de uma artista que busca um potente diálogo entre sua formação eclética e suas raízes musicais e folclóricas. Inspiradas em seu lugar, sua gente e seus costumes, suas músicas convidam a plateia a cantar e a dançar e possibilitam reflexões imprescindíveis acerca de nossa identidade. O resultado de sua pesquisa se mostra assertivo.
Músicas de outros compositores estiveram presentes no último sábado, como a belíssima “Lamento Sertanejo”, de Dominguinhos (1941-2013) e Gilberto Gil, e a guarânia “Índia”, versão brasileira composta por José Fortuna, em 1952, a partir do original paraguaio. A melodia e a letra dessa canção foram suficientes para fazer o público, já encantado com a performance de Kátia Baroni, acompanhá-la ainda que de forma discreta
A composição argentina “Mercedita”, que foi interpretada em espanhol e que fez sucesso no Brasil na voz de Gal Costa, talvez tenha fugido do contexto proposto pela artista.
Cabe destacar que uma das razões para o sucesso do trabalho apresentado por Kátia é sua parceria com os talentosos músicos Betinho Sodré, Giovanni Matarazzo e Davi Matarazzo, artistas que transbordam a paixão pela música e a sensibilidade singular em explorar novos horizontes sonoros.
Generosa, a intérprete compartilhou o palco com seus alunos do coral municipal. Outros convidados deram sua valorosa contribuição para o projeto: Bene Martins, Luiz Fernando Nascimento e o excepcional violeiro Zé Martins, com quem Kátia brincou durante o show, chamando-o carinhosamente de “Jimi Hendrix da viola caipira”. Ao final, a artista convidou o público para dançar e para celebrar e fazer “baruio no terrero” na Casa Kennedy ao som do clássico “Festa na Roça” (Mario Zan e Palmeira) e do arrasta-pé “Feijão Queimado” (Raul Torres).
A sua paixão pela cidade esteve impressa na saia que usou, ornada com pinturas de monumentos históricos de Itapetininga criadas por Carlos Oliveira, que também assinou o cenário, cuja ideia era resgatar os altares populares tão comuns nas casas do interior paulista. Essa boa proposta, porém, talvez possa ser cenicamente revista, pois, de certa forma, os elementos cenográficos sobrecarregaram visualmente o palco e dificultaram uma leitura mais potente dos significados transmitidos.
“Baruio no Terreiro” foi um show autofinanciado, por isso, até o momento, infelizmente, não há previsão de novas apresentações. Uma pena. Afinal, uma pequena parcela do conhecimento popular foi resgatada nesse projeto e deveria ser mais divulgada a públicos diferenciados, inclusive o escolar, que sentiria orgulho de conhecer a cultura de suas artistas.
“O show ‘Baruio no Terreiro’ da Kátia Baroni, foi regado de ritmos brasileiros e latinos, como guarânia, chamamé, côco, toada, entre outros. As letras das músicas expressaram sua regionalidade, objeto de suas pesquisas musicais, além da religiosidade presente na piedade popular, como nas danças de São Gonçalo. Tive o privilégio, durante o show, de participar em duas músicas, no acordeon, ‘Índia’ e ‘Mercedita’. No final, no famoso bis, pedido incisivamente pela plateia entre palmas e aclamações, a cantora chamou todos os músicos e cantores que participaram durante a apresentação para executarem duas músicas. O palco tornou-se pequeno para o festejo, regado por muita dança entre os músicos. O show marcou com a maturidade musical e do trabalho da cantora e compositora, suas letras e melodias, expressaram fortemente o que a nossa terra tem de melhor” – LUIZ FERNANDO NASCIMENTO