Milton Cardoso
Especial para o jornal Correio de Itapetininga
Uma boa opção para quem visita a simpática e acolhedora cidade de Alambari é conhecer o Centro Cultural do Paço Municipal, inaugurado em maio de 2021 durante as comemorações de 29 anos do município, com entrada gratuita. No pequeno espaço, em alguns metros quadrados, o visitante pode conhecer um pouco da história da cidade com a exposição permanente de documentos, livros, maquete, quadros e figurinos. O acervo exibido faz parte da Mostra “Da Capella ao Município”, que foi exposta aos moradores a partir de 8 de dezembro de 2019 no Salão Paroquial.
A ideia de criar um local que pudesse resgatar a história de Alambari era um sonho antigo do prefeito João Paulo Dantas Pinto. “Na época que eu era vereador havia poucas referências à história da cidade antes da emancipação, em 1991. No site da prefeitura tínhamos algumas informações, porém não havia as fontes. Esse desejo nos impulsionou para tentar resgatar a história de Alambari. Inicialmente, contamos com o valoroso apoio da equipe da biblioteca de Itapetininga. Fiz a consulta na própria biblioteca sobre o capítulo de Alambari e anotei as referências e o nome do livro ‘Itapetininga e sua História’, de Antônio Galvão Júnior. A partir desse livro começamos a montar nosso quebra-cabeça”, conta.
João Paulo comenta que localizaram, num sebo da cidade de Leme (SP), um exemplar do livro autografado por Galvão Júnior. Outra importante aquisição foi o livro “Viagem a Província de São Paulo”, do naturalista e botânico Augusto Saint-Hilaire (1779-1853), francês que chegou ao Rio de Janeiro em 1816 e permaneceu no País por seis anos. Nesse período, ele estudou principalmente a flora brasileira, mas não se restringiu a somente documentá-la. Também contribuiu com valiosas anotações que retratavam a vida cotidiana brasileira no século 19. Outra obra histórica é uma Bíblia Sagrada de 1842, impressa em Lisboa, mesmo ano em que foi construída a Capela de Alambari (vide box), doada por José Mascarenhas. Essas obras fizeram parte da Mostra e hoje estão expostas no Centro Cultural.
Várias cópias de documentos estão expostas no local. Cuidadosamente a curadoria solicitou ao cartório que fossem digitalizadas para que todos os visitantes pudessem ler os registros. Um dos resgates mais importantes da exposição foi a triste lembrança do período da nossa história em que havia escravos em Alambari. Os expositores comentam que muitas pessoas que visitaram a Mostra em 2019 disseram que desconheciam particularmente esse fato. “Ficaram impactados”, comenta João Paulo. “Alambari também vivenciou este triste período da história brasileira. As estatísticas oficiais do ano de 1874 registraram que possuíamos nesta época 109 escravos, ou seja, 5% da nossa população era constituída de escravos”, conforme consta na legenda da exposição com base no livro “Província de São Paulo”, Volume 2, de Manuel Eufrásio de Azevedo Marques. Exposições como essa atestam a importância da história para que as novas gerações possam resgatar passagens desbotadas da nossa memória.
Com o apoio do Cartório de Registro Civil e do Cartório de Nota de Alambari, outros importantes registros foram disponibilizados aos visitantes, como o primeiro ato praticado pelo “Escrivão de Paz” do Ofício de Alambari, criado em 1876: um registro de nascimento com data de 19 de março e o primeiro casamento em junho do mesmo ano. O primeiro óbito registrado aconteceu treze anos depois. “O Cartório, que existe há mais de um século, preserva a história da localidade e de seu povo, funcionando como repositório de informações relevantes para o município”, comenta o Oficial João Alberto Pezarini Jr.
Entre informações históricas dos séculos 19 e 20, outro importante resgate mais recente ganha destaque no Centro Cultural. Trata-se do processo de emancipação do município. Em 26 de abril de 1990, era protocolado na Assembleia Legislativa um abaixo-assinado com 174 assinaturas dos moradores do Distrito de Alambari, solicitando a elevação do distrito à categoria de município. Em 19 de maio de 1991 aconteceu o plebiscito, considerado por muitos o momento mais importante da história da cidade. A Ata de Proclamação registrou 787 eleitores optando pela emancipação, com 183 votos contrários e 22 votos brancos ou nulos. A história completa desse importante momento para os alambarienses está à disposição do visitante, bem como uma cópia da cédula de votação.
Engana-se, porém, quem acredita que a exposição permanente no Centro Cultural só contenha registros documentais. Ganha destaque um manequim com a vestimenta típica dos moradores da região em 1820 concebida a partir dos relatos de Saint-Hilaire, que pousou em Alambari antes de seguir viagem para Itapetininga. “Encontrei-me, num domingo, em uma venda vizinha da mata de Lambarí. (…) Esses camponeses têm todos, pouco mais ou menos, o mesmo costume; andam com as pernas e os pés inteiramente nus, usam um chapéu de abas estreitas e copa muito alta; vestem ceroulas de tecido algodão e uma camisa do mesmo tecido, camisa cujas fraldas flutuam por cima da ceroula; trazem um rosário ao pescoço e, ao redor do corpo, um cinto de couro ou de tela, ao qual está presa uma grande faca dentro duma bainha de couro”. O minucioso trabalho de reconstituição foi realizado pela figurinista itapetiningana Rosângela Caliman e o cinto e a bainha de couro produzidos por Júnior Castilho, do bairro do Ribeirãozinho.
Uma maquete de uma moradia de 1820 produzida pelo artista Nilson Donizetti, do Bairro Cercadinho, chama a atenção do visitante. A informação extraída do livro de Saint-Hilaire é rica em detalhes: “Era essa casa construída de terra e ripas cruzados, compunha-se de três pequenos compartimentos sem janelas e, por isso, extremamente escuros. O compartimento em que fui alojado era um pouco mais claro do que os outros dois, pela razão de dar para o quintal, e porque, desse lado, não havia outro anteparo senão o constituído por estacas fincadas na terra, umas próximas das outras. Como se tem o costume de acender fogo nos compartimentos internos das casas, ao centro dos mesmos, as paredes e os tetos eram pretos como carvão. Todo mobiliário consistia num jirau, um par de bancos e pilões destinados à secagem do milho para o fabrico de farinha”.
Além de todos esses atrativos, a exposição permanente é recheada de ótimas histórias. Na galeria há uma pintura de Edilson Arruda que mostra uma antiga residência (já demolida) de um personagem ilustre de Alambari, o conhecido “Dito Morcego”. Dito era temido pelas crianças que passavam em frente à sua antiga casa, localizada na rua Saladino Antônio de Campos com a rua Padre Guilherme White. O Diretor de Educação, Cultura, Esportes e Turismo, Anderson Thaczuk, disse que, quando era menino, “tinha pavor de passar em frente à casa”. Explica-se.
Na década de 1970 e início da década de 1980, Dito realizava um “trabalho social” importantíssimo: emprestava o caixão para famílias que não podiam arcar com o seu custo. Quando o defunto ia ser enterrado, era retirado do caixão, e Dito levava esse mesmo caixão de volta à sua casa e o colocava novamente no madeiramento do seu telhado.
“Da Capella ao Município” resgatou um importante símbolo local: a pedra que representa o marco zero da cidade. Um antigo morador de Alambari, senhor Bego, achou, há 40 anos na SP-268, uma pedra com o nome de Alambari na grafia antiga. Ele a colocou em sua carroça e a trouxe até a sua residência na cidade, instalando-a na frente de sua propriedade. A pedra serviu de banco para ele apreciar a movimentação da rua. Tempos depois, a peça serviu de banco para os moradores aguardarem o ônibus. Com o trabalho de resgate da memória, a pedra foi limpa e colocada na exposição, ao lado da Bíblia. Com o encerramento da Mostra, a ideia da curadoria era devolvê-la ao local original, porém surgiu um problema: ninguém lembrava em que local ficava. A solução? Hoje ela está instalada em frente ao prédio da prefeitura.
O desejo da Prefeitura é que um antigo casarão localizado no centro da cidade possa se tornar um ponto de referência cultural e todas as peças exibidas na exposição de 2019 sejam conhecidas pelos moradores e turistas. “Almejamos que outros objetos e histórias possam ser preservadas e contadas para as futuras gerações”, menciona o prefeito João Paulo, que planeja com a sua equipe, em breve, fazer uma exposição inédita sobre Eva Leite Machado (1920–1995).
Eva tornou-se uma pessoa lendária em Alambari pelo fato de se vestir de noiva, com véu bordado, nos dias de Finados e de Todos os Santos, rezando à beira dos túmulos e das capelas existentes no cemitério. Muitos não entendiam esse insólito “ritual”. Depois de perder o noivo, Domingos Candera, dias antes do matrimônio, em 1966, Eva optou que, em todos os dias de Finados, iria até o cemitério vestida de véu e grinalda. Ela também frequentava eventos religiosos ocorridos em diversas localidades, como Iguapé, com o vestido que seria usado em seu casamento.
SERVIÇO – Exposição Permanente no Centro Cultural do Paço Municipal – De segunda-feira à sexta-feira, das 8h às 16h. Telefone (15) 3274-9000. Para visitas monitoradas com o prefeito entrar em contato com Elaine Martins.
“Naquela época, o Major Domingos Afonso (…) empreendeu viagem para Guaratinguetá, acompanhado de sua esposa e de um filho menor, de nome Afonso. Ao atravessarem um lageado, o pequeno Afonso caiu do animal em que viajava, fraturando o crânio e ficando desacordado por muitas horas. O inditoso casal, desesperado, aflito, julgando que seu filho morreria devido à falta de recursos, volveu os olhos para o céu, implorando a Deus que o salvasse. E unindo à súplica o voto, Domingos Afonso e sua esposa comprometeram-se a erigir um modesto templo sob a invocação do Senhor Bom Jesus de Alambari, se o seu filho recobrasse os sentidos (…). Operou-se o milagre. O pequeno Afonso recobrou os sentidos, ficando, logo depois, completamente restabelecido (…). A Capela do Alambari só foi construída em 1842”. (In: “Itapetininga e Sua História”, de Galvão Júnior).