Milton Cardoso
Especial para o Correio
Considerado uma das artes mais antigas do mundo, o bordado surgiu com os povos das cavernas. Pesquisadores do assunto afirmam que a valorização do bordado começou no século VII e foi se desenvolvendo no decorrer dos séculos. O bordado feito à mão é reconhecido como patrimônio imaterial.
Em Itapetininga, a dedicação e o talento da artista visual e professora Thais Trisltz vêm chamando a atenção de quem aprecia essa arte. Em seus trabalhos meticulosos feitos de forma manual, a artista busca um diálogo incessante com o contemporâneo sempre à procura de novos significados para obras consagradas de Leonardo da Vinci, Van Gogh, Magritte, entre outros.
Thais aprendeu a bordar quando era criança na Casa do Adolescente. Devido às restrições temáticas, gradativamente, abandonou as oficinas. Aos 20 anos, quando jogava videogame, percebeu semelhanças visuais entre os jogos de 8 bits e o bordado: “Eles têm gráficos idênticos aos padrões de ponto cruz”, comenta. Dessa forma inusitada, retornou à arte de bordar.
Inicialmente recebia encomendas, depois “as coisas foram acontecendo. Criei uma rede social para divulgar meus trabalhos, acabei recebendo convites e comecei a dar aulas”, relembra.
Dos trabalhos iniciais fortemente influenciados pelos games, a artista visual aprendeu a desenhar digitalmente e começou a recriar pinturas que apreciava. Hoje, ela estima ter realizado mais de 20 bordados inspirados em obras do Renascimento, Impressionismo, Pós-Impressionismo, Surrealismo, Modernismo, entre outros movimentos.
As influências de sua produção artística não se restringem às releituras. “Às vezes bordo frases de músicas ou poemas. Também tenho muita influência do cinema e da cultura pop no geral”, explica.
Steve Jobs disse que “você tem de encontrar o que você ama. A única maneira de fazer um excelente trabalho é amar o que faz”. Essa frase do criador da Apple define a dedicação diária da artista há 14 anos na arte do bordado, seja produzindo peças, seja pesquisando com o objetivo de aprimorar seu trabalho. “O bordado consome minha vida inteira, mas eu amo, foi a melhor forma que encontrei de me expressar”, explica.
Sem deixar se abater, apesar dos desafios de viver da arte do bordado, Thais lamenta: “As pessoas pressupõem que o valor de um bordado deve ser barato, pois os materiais utilizados (linhas e tecido) são baratos, portanto não costumam valorizar o ato de bordar em si”.
Alguns trabalhos da artista levam semanas para serem finalizados. O bordado “A Moça do Brinco de Pérola”, inspirado na pintura de Johannes Vermeer, levou, segundo a artista, dois meses para ser finalizado.
É com muita sensibilidade que Thais tece artesanalmente os fios que se entrelaçam e trazem toda a beleza e o encantamento artístico de seus trabalhos. Porém, ela se incomoda com uma parcela do público que ainda acredita que o bordado está apenas restrito aos itens de cama e cozinha.
Apesar das dificuldades, Thais está animada com a valorização do bordado. “Consigo ver um potencial crescimento na região. Comparado há alguns anos, os trabalhos artesanais estão sendo mais valorizados e a procura por aulas e oficinas cresceu bastante”. Porém, alerta que a discrepância dos valores cobrados pelas bordadeiras pode desvalorizar o trabalho produzido: “Se alguém faz um orçamento com duas bordadeiras, uma cobra mil reais e outra cobra cem. Essa última acaba jogando o ‘piso’ das bordadeiras lá embaixo – e ainda acha que está ganhando com isso!”.
Thais ainda lamenta o encerramento da casa colaborativa independente de arte e cultura itapetiningana, o Cazulo. O espaço surgiu em dezembro de 2019, idealizado por ela, Amanda Tonussi, Carol Cunha e Gabriela de Moura, inicialmente numa casa no Jardim Itália e depois na rua General Glicério. O Cazulo oferecia cursos, venda de artesanato locais e um sebo.
A artista afirma que o Cazulo foi um gigante impulsionador na cultura, nos espaços culturais da cidade e na valorização da arte e do artesanato. “Em 2019, havia pouquíssimos espaços com esse viés, e vejo que hoje Itapetininga começou a prestar mais atenção a essa área”, comenta.
Ela ressalta que o Cazulo foi essencial para o seu crescimento artístico e criou novos laços de amizade. “No Cazulo colhi os melhores frutos: fiz amizades para a vida toda, conheci pessoas com os mesmos gostos e ideais que os meus, fiz parcerias de trabalho. Foram cinco anos de muito aprendizado e troca, e isso vai continuar”, reforça.
Thais explica que é muito difícil financeiramente manter um espaço físico sem ter um lucro significativo. “Não dá para trabalhar só por amor, todo o dinheiro que recebíamos era direcionado para a manutenção da própria casa. Além disso, nesse ano percebemos uma queda na participação dos eventos, palestras e atividades que oferecíamos, além da queda nas vendas da loja”, reflete. Outro fator apontado pela artista é a dificuldade em atingir outros públicos através das redes sociais, afinal, para atingir novos clientes, é necessário investimento financeiro.
Além do retorno financeiro abaixo do esperado, o esgotamento emocional e físico a fez desanimar nos últimos meses. A artista comenta que administrar sua jornada de trabalho como funcionária pública, produzir trabalhos, gerenciar seus compromissos pessoais e artísticos, além de estar presente diariamente no espaço e planejar eventos, tornou-se exaustivo. “Ter pouco retorno cansa e entristece”, desabafa.
Porém, faz questão de reafirmar que o projeto continua ativo apesar do fechamento do espaço físico. “O Sebo Cazulo continua ativo com vendas on-line e, nos outros segmentos, permanecemos com o que podemos: participando de eventos de outros espaços culturais e nos inscrevendo em editais de incentivo à cultura para dar continuidade aos projetos. Agora, com um pouco mais de tempo livre, planejamos tudo melhor”, esclarece. E complementa entusiasmada: “Talvez, no futuro, a gente abra um espaço de novo… quem sabe? É nosso sonho ainda!”.
Mesmo diante das dificuldades, Thais tem uma maneira muito peculiar de lidar com as situações apresentadas. É uma sonhadora irrefreável que crê na reinvenção da vida e de seu ofício.
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