Milton Cardoso
Especial para o Correio
No próximo dia 5, o Centro Cultural Brasil Estados Unidos – Casa Kennedy, localizado na rua Prudente de Moraes, irá presentear Itapetininga com a abertura da exposição fotográfica “Itapetininga dos anos 80”, de Eduardo Cabral. A mostra consiste em 40 fotografias que integram o acervo do artista e retratam a arquitetura itapetiningana na década de 1980, quando o fotógrafo descobriu sua paixão pela profissão. A mostra será uma excelente oportunidade para os visitantes conhecerem um pouco da história da cidade através de trabalho autoral que traduz histórias e sensações, permitindo uma reflexão sobre as mudanças sociais e culturais ocorridas nesses últimos 40 anos.
Morando em Campo Grande, MS, há 30 anos, Cabral recebeu o convite da diretora do Museu Carlos Ayres, Walkiria Paunovic, para expor em Itapetininga. Segundo o artista, Walkiria ficou encantada com a exposição “A Feira e a Ferrovia”, que ele realizou na capital sul-mato-grossense. A mostra ocorreu esse ano na Galeria de Vidro. Através de seu olhar ímpar, Cabral registrou as transformações desde que passou a residir na cidade. “Sempre tirei fotos de cada mudança que aconteceu ali, até a chegada da Feira Central e a retirada dos trilhos do centro da cidade”, contou a um jornal local. Segundo o fotógrafo a exposição foi uma homenagem aos operários que constroem o país.
O Início – O itapetiningano Eduardo Cabral passou boa parte de sua infância e adolescência em uma fazenda próxima de Angatuba. Aos 16 anos, em fevereiro de 1980, retornou à cidade e foi morar com os avós maternos, João Leme e Clara Moraes Vieira Leme, sua maior incentivadora. “Fui estudar no período noturno na escola Peixoto Gomide e fazia curso à tarde. Minha intenção era ingressar no curso de veterinária, porém as restrições financeiras da época não permitiram”, disse.
Em outubro de 1980, Cabral desistiu de prestar vestibular para o curso de veterinária. Comunicativo, começou a trabalhar no comércio local a partir de um convite do irmão do seu padrasto. “No meu primeiro emprego, já comecei como gerente, ali percebi minha aptidão para o comércio”, disse. Em 1981, Cabral ingressou na Associaçao de Ensino de Itapetininga no curso de Administração. Dois anos depois, começou a trabalhar em uma loja de fotos inicialmente como operador de caixa e vendedor. “Eu havia feito um curso de fotografia pelo Instituto Universal Brasileiro. Pois aos 13 anos ganhei uma câmera fotográfica da minha avó Clara como presente de Natal junto veio um guia prático que me ajudou na profissão”, conta. Para quem não se lembra, os cursos por correspondência eram muito comuns na época e atendiam pessoas que precisavam de uma qualificação rápida. O Instituto Universal Brasileiro, fundado em 1941, tornou-se a maior escola de ensino à distância do país, entre as décadas de 1960 e 1980.
“Depois de três meses trabalhando na loja, o meu gerente William Marques de Oliveira, na época me chamou, entregou uma câmera e pediu que eu tirasse fotos de uma garotinha no jardim da Peixoto, para fazer um álbum. Mandamos o filme para revelar, quando chegaram as fotos, ganhei elogios. Até hoje me lembro do seu comentário ‘Você tem um ótimo olhar’”, comenta Cabral.
O fotógrafo realizou inúmeros eventos sociais, batizados, casamentos como freelancer até ter seu próprio estabelecimento, a Eduardo´s Reportagem, na avenida Virgílio de Rezende, 147. Apaixonado por Itapetininga, nunca deixou de registrar imagens da sua cidade natal. Sempre que visita à cidade, procura fotografar algum detalhe: “Sempre pensei que aquela fotografia iria contar uma história, fazer parte da história”, diz.
Eduardo Cabral considera-se um romântico e ama a natureza. Sua temática preferida é a arquitetura “gosto de fotografar monumentos, casas antigas, ruinas”, revela. Pai de seis filhos, ele comenta que sua filha caçula, Clara, herdou sua paixão pelo assunto e cursa atualmente arquitetura.
A Inesquecível Década de 1980 – Não há dúvidas que Cabral foi um dos principais fotógrafos itapetininganos na década de 1980, época que viveu intensamente. “Era um tempo que todo mundo se conhecia. Reuníamos no Zokar, na Virgílio, que era o principal point da cidade. Depois veio o Sacysinho, Água na Boca, Boolus, tudo na avenida. Eu tinha um Dogde Polara, meu primeiro carro, descíamos a avenida, pela Campos Salles, indo até a praça Marechal Deodoro e voltávamos pela Quintino até o Correio para a Avenida”, relembra saudoso.
Frequentador assíduo dos bailes do Clube Recreativo, depois em 1984, passou a participar dos eventos do Clube Venâncio Ayres. “Adorava o Carnaval, os bailes do Havaí que o clube promovia. Também frequentava o Café Pigale e o cinema Itapetininga, não perdia os lançamentos”. E completa: “Quando entrei para o grupo de motociclistas, toda noite reuníamos no cachorro-quente do Toninho, era tudo muito bom”.
Dono de uma invejável memória, boa parte desses momentos são eternizados pelas suas fotografias, como a tempestade de granizo que desabou sobre a cidade em 5 de maio de 1981. “As pessoas ficam impressionadas como eu lembro de datas. Sempre comento: é porque eu também escrevo muito” e sempre revejo as fotografias”, revela.
O trabalho de Cabral, principalmente na década de 1980, espelha de forma invejável um período histórico de Itapetininga e o seu olhar para a época. “A fotografia é uma construção, permeada pelo olhar e pela ideologia do fotógrafo”, defende a professora Maria Luísa Hoffmann, doutora em Comunicação pela USP.
Estímulos – Uma de suas maiores inspirações de Cabral foi seu primo, o repórter de TV José Carlos de Moraes (1922–1999), popularmente conhecido como Tico-Tico. “Eu ficava encantado com suas histórias sobre o jornalismo”, conta. Na área fotográfica acompanhava os trabalhos do espanhol J. R. Duran, popular na década de 1980, principalmente pela sua colaboração para as revistas nacionais, como a “Playboy”. Em 1997 foi para Paris, visitar sua namorada Suki Ozaki, (hoje esposa) e conheceu o trabalho de Sebastião Salgado.
Cabral faz questão de ressaltar a importância de Theodoro Rodrigues de Barros. “A minha primeira câmera, presente da avó Clara, foi comprada na sua loja, a Real Foto. Apesar de termos nos tornado concorrentes, ele sempre me dava dicas. Eu sempre gostava de ouvir o que ele tinha a dizer”, comenta.
Uma das fotos que Cabral viu na loja de Theodoro o marca profundamente. “Era de uma operária da Fiação Dona Rosa. A mulher estava tirando os fios de algodão. Depois fiquei sabendo que a autora da fotografia era Adalgiza de Oliveira Barros, esposa do Theodoro. Quinze anos depois, quando realizei um trabalho para a Nisshimbo do Brasil, tentei captar aquele momento mágico que estava na minha memória. Prestei uma homenagem aos proprietários da Real. Esse é um registro da qual me orgulho muito”, conclui.
Na vitrine de sua loja, a Eduardo’s Reportagem, ele expunha fotos de eventos e casamentos. “O pessoal saía da missa da Igreja Nossa Senhora das Estrelas, à noite, e ia ver a exposição do casamento da semana. Era o Facebook da nossa época”, conta.
Obviamente no decorrer de seu ofício, Cabral passou por situações inusitadas. “Um dia um cliente veio até a loja e contratou meus serviços. Fui até o bairro. Era um velório. Era uma pequena sala, tive de subir em uma cadeira e usar uma grande angular para tirar fotos da família ao lado do falecido”, conta.
Cabral publica muito dos seus trabalhos nas redes sociais, muitos admiradores de fotos conferem seu trabalho no grupo “Itapetininga Através das Lentes”, mas com a sua curadoria será possível conhecer alguns de seus principais trabalhos, como a rua Campos Sales na época natalina. “Com a ajuda dos policiais, fechamos a principal via da cidade por alguns minutos. Essa fotografia que o visitante irá conferir na exposição tem um resultado estético gratificante”, explica.
Outra foto que ganha destaque na exposição são os prédios escolares na avenida Peixoto Gomide, quando a via era de paralelepípedo e os muros ficavam em paralelo aos edifícios históricos, antes do restauro na década de 1990. O artista disse que o registro fotográfico foi realizado após um desfile de 5 de novembro. Outros locais preferidos de Cabral também estarão na mostra como a lanchonete Zokar, a imponente arquitetura da Matriz e a praça Marechal Deodoro, entre outras surpresas.
Com a realização da exposição, a cidade e seus moradores com certeza irão ganhar um belo presente.
SERVIÇO:
“Itapetininga Dos Anos 80”
LOCAL: Centro Cultural Brasil Estados Unidos (Casa Kennedy)
PERÍODO: de 5 de novembro a 19 de novembro de 2021