MILTON CARDOSO
Especial para o Correio
Hoje, o restaurante de comida árabe localizado no Center Park contará com a presença de Carlos José Pereira Pinto, o popular Carlão Pereira, para agitar a noite itapetiningana com a apresentação “Uma Noite no Pigalle”. O discotecário promete uma playlist de músicas diversificadas, relembrando a época em que embalava com muita animação a casa noturna, o Café Pigalle.
O Café Pigalle funcionou numa época de intensos agitos no centro da cidade e se consolidou no decorrer de sua trajetória como importante roteiro boêmio gravado na memória de várias gerações. “Hoje encontro vários casais no restaurante Árabe. Eles me procuram e me dizem que se conheceram nas noites dançantes do Pigalle. É muito emocionante”, comenta Carlão.
O comerciante Fuad Isaac está animado com a atração de hoje à noite. “Estimo que iremos receber em torno de 150, 200 pessoas. Tem muita gente ligando, reservando mesas. Tenho certeza de que será uma noite inesquecível, o Carlão é um importante agitador cultural de nossa cidade, sempre envolvido com festividades e atrações culturais, como bailes no Clube Venâncio Ayres, os Festivais Regionais de Música Popular e os antigos blocos de Carnaval. No Pigalle, possibilitou uma opção diferenciada de ‘balada’ na cidade”, elogia.
Carlão revela que seu plano é voltar a agitar as noites itapetininganas. “Planejo começar com eventos semanais. Acredito que há uma carência desse tipo de balada na cidade. A ideia é fugir um pouco do que vem sido oferecido ao público”, explica.
Um Ambiente Requintado – A partir da década de 1970, funcionava na rua Dr. Júlio Prestes, nº 816 (hoje uma agência bancária), o famoso Archote Restaurante de propriedade de Paulinho Lara, Oswaldo Lara e René Mattos Moraes. “Me lembro de quando retornei de uma viagem na Europa, em 1978, e trouxe uma ideia de montar um bar temático por aqui. Meu pai e os outros sócios gostaram da ideia, pois desejavam construir um anexo ao restaurante”, relembra o arquiteto René Mattos Moraes Jr., o Renezinho.
O bar temático também teve inspiração dos conceituados Café Paris e do Café Bixiga, bares populares na capital paulistana. O nome, Café Pigalle, é uma homenagem ao famoso bairro boêmio parisiense, a Place Pigalle – importante centro de cultura do fim do século 19 e boa parte do século 20.
O cardápio do Café Pigalle era refinado, com bebidas que agradavam a todos os paladares, como café irlandês, marroquino, entre outras opções. Outro sucesso da casa eram os coquetéis com leve teor alcoólico e dose de café expresso servidos em taças especiais produzidas de forma artesanal.
O espaço também se destacava pelo seu charmoso ambiente meticulosamente planejado. Estudante de arquitetura na época, Renezinho foi um dos colaboradores e idealizadores do espaço. “Outros familiares e amigos se envolveram na decoração do Café Pigalle”, explica Renezinho.
“A decoração era muito bonita. Para isolarmos os ambientes, entre o café e a pizzaria, criamos vitrais com durepox. Reproduzimos trabalhos artísticos do estilo art noveau nos espelhos. Era um ambiente refinado como os melhores bares paulistanos na época. Funcionava sempre à noite e aos finais de semana. Outra característica curiosa é que havia uma lareira de pedra no cento do estabelecimento. Sobre uma base, encaixamos as pedras calcários uma sobre a outra, sem utilizar cimento. A chaminé de cobre foi um trabalho artesanal. A iluminação era à meia luz sempre com uma música ambiente”, detalha Renezinho.
No decorrer dos anos, Oswaldo e René Moraes, buscando inovações para o local, convidaram o discotecário Carlão para tocar no Café Pigalle. O espaço físico foi ampliado e a charmosa lareira foi retirada. “Inicialmente o público era bem específico. Posteriormente, começamos a executar todos os ritmos musicais de diversas épocas. A popularidade do lugar cresceu, atraindo públicos de diversas faixas etárias e classes sociais”, relembra Carlão.
Noites Dançantes – “Foi necessário praticamente dobrar o espaço do Café Pigalle, utilizamos uma área do estacionamento do Archote, onde hoje está localizado o SENAC. Como a entrada do Archote e do Pigalle eram as mesmas, os dois locais estavam sempre lotados. Várias vezes recebíamos numa noite em torno de 700, 800 pessoas. Era um enorme entra e sai até às 5 horas da manhã”, comenta Renezinho.
No decorrer dos anos, o espaço promovia diversos concursos e apresentações de dança, como o desafio de tango. A proposta de Carlão era ir na contramão do que era oferecido por outro espaço na época, a Bulus localizada no Largo dos Amores (hoje uma farmácia). “A Bulus tocava muito pop-rock, como Lulu Santos, RPM, Cazuza, enfim. Já no Pigalle a proposta era outra, havia flashback, lambada, axé, samba, pagode”, explica Fuad Isaac.
Almoço com as Estrelas
Durante três anos o apresentador de TV Airton Rodrigues (1922 – 1993) reviveu seu famoso programa “Almoço com as Estrelas” em Itapetininga. O tradicional programa era transmitido pela SP Sul TV, e as gravações ocorriam no Café Pigalle.
Sempre antenado com as tendências da época, Carlão explica que o Pigalle era “diferenciado do comum”. Na década de 90, a casa noturna tocou pela primeira vez em Itapetininga o primeiro sucesso do grupo É o Tchan. “Uma amiga minha estava de férias em Florianópolis e ouviu a música. Ela gravou num K7 e trouxe na sua bagagem. Ela me emprestou, e eu toquei numa noite. Foi um sucesso. Aliás, eu fui um dos primeiros a tocar axé-music na cidade, como as músicas do cantor Luís Caldas, Daniela Mercury, entre outros. Na época havia muito preconceito em relação ao pagode, ao axé”, relembra Carlão.
Nesse período, o Pigalle era muito frequentado por universitários da cidade. As “Sextas Universitárias” marcaram uma geração. Segundo Carlão, o ambiente era um lugar muito agradável. “O Pigalle era uma diversão saudável. Durante quase vinte anos marcou época na cidade”, relembra.
No final do século 20, a casa noturna fechou as portas. Carlão acredita que alguns fatores contribuíram para o encerramento das atividades, como o fim do restaurante Archote e a nova urbanização do centro. O Pigalle deixou saudades e permanece no imaginário de muitos “baladeiros”. Portanto, hoje à noite será uma ótima oportunidade para relembrar momentos inesquecíveis.

O agitador cultural Carlos José Pereira Pinto, o Carlão, sempre estudou na rede pública. Fez o primário no Major Fonseca, o ginásio na escola Fernando Prestes e o ensino médio na escola Modesto Tavares de Lima. Sempre se destacou em redação. Na década de 1970, sobressaiu-se como uma das lideranças estudantis durante o período da ditadura. Pela FKB, formou-se em Direito.
No final da década de 1960, em um baile na cidade de São José dos Campos, ficou fascinado com as possibilidades da discotecagem como profissão. “Na época tinha 17 anos e pensei: por que não?”.
Em Itapetininga começou a tocar nos famosos bailinhos, festas de aniversários, casamentos. Na década de 1970 agitou os bailes dominicais do Clube Venâncio Ayres. Posteriormente, realizou, no período da tarde, os famosos “Bailinhos do Venâncio”, as baladas na SAECULUN, “a Boatinha do Venâncio Ayres”, destinada ao público infanto-juvenil do tradicional clube.
Promoveu, no centenário clube, diversas atividades culturais, como shows, feira das nações, festivais de teatro, dança e o cineclube. “Na época buscava os filmes de rolo em São Paulo”, relembra.
Entre os anos de 1970 e 1985, durante as gestões de José Lembo, Eduardo de Souza, Uracy Cardoso e Arlindo Calux, participou ativamente dos inesquecíveis festivais do Clube Venâncio Ayres, eventos que marcaram gerações.