Laura Oliveira
Um projeto de lei protocolado na Câmara Municipal pretende proibir a permanência de crianças e adolescentes de até 16 anos incompletos nos logradouros, praças, áreas de lazer, vias públicas e estabelecimentos após as 22h. O projeto chegou no legislativo no dia 10 de dezembro e é de autoria do vereador Dudu Franco (MDB).
Segundo o vereador, o projeto não tem a intenção de restringir o direito de ir e vir de crianças e adolescentes. “Foi mais pensando na segurança das crianças, adolescentes e de seus familiares. Por conta da pandemia, infelizmente, eles podem servir como emissores da doença. Nos fins de semana, é possível ver várias pessoas aglomeradas nas praças, principalmente na praça em frente às três escolas. Eles compartilham bebidas e outras coisas. Se a polícia chega, eles se espalham para as praças mais próximas.”
‘Lembro que na minha juventude, tudo era mais respeitado. Nossos pais falavam e nós respeitávamos. Eles nos contavam que os jovens de até 18 anos não podiam passar das 22h na rua, caso contrário, a polícia nos pegaria. Eu achava que isso fosse uma lei na época, mas depois parei para pesquisar e vi que isso nunca existiu. Pensando nisso, pesquisei as cidades que tiveram a mesma ideia que eu e vi que na maioria tinha dado certo, o que atrapalhava mesmo era o ECA”, conta o vereador.
Por conta do recesso de fim de ano, o projeto só vai entrar em votação no ano que vem. Franco pretende que a votação seja única e de maioria simples. “Espero que seja uma audiência pública, para que a população possa participar e expor suas opiniões.”
Se aprovado, a fiscalização sob esses adolescentes ficará por conta do Conselho Tutelar, Polícia Militar e da Guarda Civil. O menor será encaminhado para a sede do Conselho Tutelar, onde aguardará a presença de um responsável.
O Jornal Correio conversou com o juiz de Direito do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Reginaldo Palhares Júnior e com Reginaldo Penezi Júnior, advogado da cidade, que explicaram que o projeto de lei desrespeita uma série de direitos reconhecidos. “A preocupação com o contexto atual da pandemia é louvável, mas o ‘toque de recolher’ intencionado pelo Projeto de Lei é refratário à ideia de tratar os infantes como sujeito de direitos e, portanto, além de violar o art. 227 da Constituição e o art. 16 do ECA, desrespeita uma série de direitos reconhecidos por outros documentos, como o direito à liberdade e a proibição à discriminação, previstos nos arts. 1º e 2º da Declaração Universal dos Direitos humanos (ONU); a proibição contra interferências ilegítimas e arbitrárias na vida particular das crianças, prevista no art. 16 da Convenção sobre Menores da ONU; a norma de proteção integral estabelecida no art. 19 da Convenção Americana de Direitos Humanos; e as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça de Menores.”
Os advogados ainda disseram que caso os responsáveis forem notificados pelos menores por descumprirem a lei, eles poderão recorrer à Constituição. “Os responsáveis devem recorrer, primeiramente, à Constituição, que elevou a criança e o adolescente à condição de sujeitos de direitos, colocando-os a salvo de toda forma de discriminação e opressão. O ECA segue nessa mesma linha, mesmo porque veio para regular as normas constitucionais a esse respeito. Na medida em que o projeto de lei aponta essa categoria de pessoas como objetos de implementação de política de saúde, como foco transmissor do novo coronavírus, incorre em retrocesso social, ofendendo-lhes a dignidade, o respeito e a liberdade assegurados constitucionalmente.”