Milton Cardoso
Especial para o Correio
Um livro escrito no começo deste século está em fase de edição. Trata-se de “Por Onde Pisaram os Imortais – História das Ruas e Logradouros Públicos”, de José Luiz Ayres Holtz, trabalho que fez parte de um projeto de preservação de memórias da cidade. A rigorosa e minuciosa pesquisa do autor foi dividida em oito capítulos que esclarecem importantes acontecimentos da história, contribuindo para a compreensão do desenvolvimento urbano de Itapetininga. Em um dos capítulos, a pesquisa debruça-se sobre o surgimento do antigo Paquetá, hoje Vila Rio Branco, um dos bairros mais populosos do município com quase 4 mil residentes, conforme o Censo do IBGE de 2010.
A pesquisa indica que, até 1950, os itapetininganos não transpunham os acidentes geográficos da zona urbana. “Mesmo os bairros mais antigos como as Vilas Aparecida, Olho d’Agua, Santana e Cubatão não atravessaram até essa época os respectivos córregos (atualmente ribeirões do Chá e dos Cavalos). Só houve uma exceção: o Paquetá”, pontua.
Com aproximadamente 1 km de distância da catedral, o Paquetá teve suas origens em meados do século 19 com um pátio denominado São Francisco “que tem no fim da Rua das Casinhas junto ao Ribeirão”, segundo ata da sessão da Câmara do município de 1856. “Próximo da cidade e de águas claras e em abundância, era o lugar ideal para o descanso das tropas que vinham do Sul com destino à Feira de Sorocaba, assim denominada por ser ‘um lugar de campo, capão e mata propício à caça de pacas’”, indica.
A pesquisa desmitifica a errônea ideia de que, até o começo da década de 1950, só existisse no bairro um cemitério municipal e uma Vila de Leprosos, engano compartilhado até mesmo por Oracy Nogueira, autor do livro “Família e Comunidade” (1962).
“Por Onde Pisaram os Imortais” clarifica que “documentos oficiais e relatos de historiadores dão conta de outra realidade. Em 1885 foi aprovada na Câmara Municipal de Itapetininga a proposta de abertura de uma ladeira na continuação da Rua da Constituição, que deveria levar ao Bairro já que existia, para a Estrada Real do Sul, um acesso bem mais fácil, que era a Rua dos Prazeres (Quintino Bocaiúva). Em 1878, o Paquetá é citado na obra de Manuel Eufrásio de Azevedo Marques como ‘um Bairro no Município de Itapetininga onde foi criada uma cadeira de primeiras letras pela Lei Provincial de 1876’. Essa cadeira havia sido proposta ao Governo Provincial no ano anterior pelo Inspetor Escolar do Distrito, Manoel Afonso Pereira Chaves, chefe local do Partido Conservador, justificando a reivindicação pelo fato de o lugar ‘possuir mais de 40 fogões e que vai em progressivo aumento’”.
E complementa: “Durante esse período, a maior ocupação, no mesmo estilo da cidade – casas geminadas de taipe e com um só telhado – acontecia no lado direito de quem subia o Páteo São Francisco (hoje praças Sebastião Garcia e Oswaldo Cruz) em um grande triângulo, cujo vértice se localizava na passagem pelo Ribeirão Itapetininga. A partir daí as casas iam se espaçando cada vez mais rumo oeste até encontrarem chácaras de conhecidos itapetininganos, como Elias Augusto Ferreira, José Camargo e o alemão Johonn Adolf Schrihtzmeyer (que passou a ser conhecido como João Adolpho), que, em 1891, solicitou da Câmara Municipal um terreno nas proximidades de sua chácara para implantar uma indústria de cerâmica movida a vapor”.
Segundo mostra a pesquisa, o desenvolvimento do Paquetá foi interrompido quando, em novembro de 1894, o bairro foi indicado a receber o novo cemitério municipal, o São João Batista, inaugurado cinco meses depois, fato que levou à queda de interesse em morar na localidade.
“Por Onde Pisaram os Imortais” explica que, além da existência do cemitério, outros fatores fizeram que os itapetininganos deixassem de residir na região. Entre elas, a fama de alojar valentões e ladrões. “Se isso não bastasse, o bairro tinha também a fama de abrigar praticantes de ‘feitiçaria’”. Essa reputação é antiga, já que, em 1888, o jornal “Itapetininga” publicou em suas páginas uma matéria intitulada “Mais Feiticeiros”, na qual informava que existiam no subúrbio “dois ou três deles [feiticeiros] instalados no bairro do Paquetá a menos de um quilômetro do centro da cidade”.
A denominação Vila Rio Branco veio com a Proclamação da República. “Uma homenagem dos legisladores republicanos de Itapetininga ao Barão, destacado na época por suas ações diplomáticas. Mesmo com a nova denominação, a Vila Rio Branco esteve praticamente estagnada durante quase 50 anos, só vindo a ser ocupada efetivamente a partir da implantação do DER – quando os funcionários de cargos e funções mais subalternas passaram a residir na Vila”, conclui a pesquisa.
Em tempo: Paquetá significa, em tupi, “Muitas pacas”. A paca é um dos maiores roedores do Brasil, chegando a medir até 70 cm.
“[…] Assim, a expansão da cidade para sudoeste fez com que se revalorizassem as áreas mais próximas do “centro”, até então inaproveitadas para edificação, pela ocorrência de obstáculos naturais que as tornavam materialmente menos acessíveis.
Em direção oposta à da expansão urbana até aqui des¬crita, isto é, em rumo sudoeste, descendo-se a depressão que leva ao ribeirão e transpondo-se este, no sentido de quem se dirige ao cemitério, onde, no começo deste século, apenas existiam a cidade dos mortos e a vila dos leprosos, que se extinguiu por volta de 1930, nota-se, desde mais ou menos 1945, o desenvolvimento de novas vias públicas, ao longo das quais as habitações se vão multiplicando em ritmo que se acentua de um ano para o outro.
Aí, também, existe uma capela, dedicada a São Roque, e já se fez sentir a necessidade de um grupo escolar.
A população dessa (…) Vila Rio Branco é constituída, principalmente, de trabalhadores do Departamento Estadual de Estradas de Rodagem” – TRECHO do livro “Família e Comunidade”, de Oracy Nogueira, páginas 216 e 217.