Findando outro ano de trabalho, o primeiro em Mandaguari, sigo para o Ano Bom com uma análise positiva dos números da Justiça. Afinal, foram mais de 5.000 sentenças prolatadas e, após iniciar o ano com mais de 7.000 processos, o encerramos com menos de 3.800.
Contudo, embora tenha ciência do que esses números representam para meu ofício, tocam eles o sentido do cidadão?
Sentença vem de sentir. Representa a sensação extraída dos autos sob o olhar do julgador, seu senso de justiça, a máxima de verdade subsumida aos comandos positivos que nos regem. Neste ano, milhares foram prolatadas. Por isso, pergunto: seria o sentir do juízo assim tão diverso do sentido dos jurisdicionados? Se não, por que da necessidade de tantos julgamentos?
Certa vez ouvi que o conceito de Justiça reflete no espírito humano a conformidade entre igualdade e moralidade. O valor Justiça realiza, no espaço social, a mesma função ordenadora que, no espaço cósmico, é realizada pela causalidade. Derivação da ordem natural reflete-se maximamente na sentença, que nada mais faz senão (re)estabelecer a ordem admitida como certa no Contrato Social.
Será o senso de civismo incutido na moral dos membros da comunidade algo apartado do legalmente concebido? Estaria cada um travestindo-se de togado e fazendo as relações interpessoais instrumento ilimitado do exercício do livre-arbítrio?
Não tenho resposta segura, mas infelizmente, esses números revelam a crescente litigiosidade de situações que antes eram resolvidas com um pouco de paciência e diálogo.
Não se quer aqui exigir do cidadão lesado a apatia de seus direitos. Ao revés, não quero justamente que ele passe a pertencer ao clube dos apáticos e indiferentes.
Contudo, a vida não precisa de juízes se formos razoáveis. E nesse ponto, todo ser humano possui inteligência elaborada para conhecer os seus limites e o valor de sua verdade, bem como que, quando se avança a barreira e dela se abdica, ainda que um breve momento, tudo o mais se torna duvidoso.
Então nesse Ano Bom, retomemos os valores cívicos, restauremos a fé – não em nossa meia verdade -, mas na verdade universal que nos impele a respeitar o próximo em suas limitações e conquistas para que, cumprindo nossos deveres, vejamos nossos direitos respeitados, sem partes, sem sentença, nem números.
Iza Maria Bertola Mazzo é juíza da Vara Cível do Fórum de Mandaguari
*Reportagem publicada na 45ª edição do Jornal Agora.