Milton Cardoso
Especial para o Correio
Previsto para o segundo semestre, o documentário “Professora Cecília, uma História de Inclusão em Itapetininga” pretende resgatar a história da pioneira da educação especial itapetiningana, a educadora Cecília Pimentel Vasques Prestes Nogueira, e seu legado para a cidade. O trabalho está sendo produzido por Roberto (Beto) Soares Hungria Neto e pelo seu filho Edmundo José Vasques Nogueira.
Os produtores estão realizando várias entrevistas para o documentário. Eles explicam que a contribuição dos entrevistados vem ampliando de forma significativa as perspectivas do documentário.
“Planejamos dar um tom positivo ao trabalho, esta será a espinha dorsal do documentário. À princípio de forma cronológica, iremos falar do pioneirismo educacional de Cecília Pimentel para a cidade e como seu exemplo inspirou outras pessoas, outros profissionais da educação. O Edmundo vem cavando histórias fantásticas de amigos, profissionais da educação e colaboradores da APAE”, conta Beto Hungria.
Beto conheceu a importância do trabalho da professora durante as comemorações de 20 anos do espetáculo “O Milagre de Annie Sullivan”, em 2004. “Foi um resgate de um trabalho fantástico, de repercussão nacional. Na época fiquei muito surpreso. Portanto, falar do trabalho de Cecília Pimentel é apaixonante, por isso inscrevemos o projeto pela Lei Paulo Gustavo. É um justo reconhecimento da sua dedicação que merece ser resgatado, valorizado e registrado. É uma questão de justiça, pois as pessoas se esquecem, e o legado dela é imensurável. Todo movimento de educação especial na cidade começou com seu trabalho na escola Fernando Prestes. A realização da peça quebrou paradigmas na época, tendo uma protagonista surda”, reforça Beto.
Uma Missão – Filha do farmacêutico José Maria Vasques Sérgio e de Ermínia Pimentel, Cecília Pimentel nasceu em Itapetininga no dia 5 de janeiro de 1933. Estudou na escola Peixoto Gomide, formando-se professora primária. Como era comum na época, começou a lecionar na zona rural, porém por pouco tempo. Mudou-se para a capital fluminense e frequentou o curso de Especialização para Excepcionais no Instituto Nacional dos Surdos-Mudos.
A decisão de se especializar na educação com surdos surgiu quando era professora primária recém formada. “Ela teve dificuldade de comunicação para ensinar uma aluna surda, logo que começou a lecionar”, explica Edmundo. Ele revela que sua mãe sempre teve um sólido desejo de compaixão pelo próximo. “Na adolescência ela desejou tornar-se freira para ajudar o próximo. Promover vidas sempre foi o propósito”, pontua.
Quando retornou a Itapetininga, lutou pela abertura de uma sala destinada à educação de alunos surdos. Em 1984, contou ao jornalista José Maria Mayrink que iniciou seu trabalho em 1969 graças ao apoio do diretor escolar João Olímpio de Oliveira Júnior. Segundo ela, a direção acreditou em sua proposta, “embora nem soubesse que poderia dar certo”. E completou: “A gente não teria conseguido nada se não fosse o apoio de todos os diretores da escola e a prova está aí, pois o atual diretor, Antônio Murat, continua dando toda a força à manutenção da classe especial, a exemplo de toda a comunidade de Itapetininga”.
Presente na festa de encerramento da primeira turma formada por Cecília, em 1969, o jornalista Alberto Isaac relatou que a classe contava com nove alunos na faixa etária de 7 a 12 anos, sendo oito da zona rural e um de Tatuí.
Ao jornalista, a educadora explicou suas dificuldades iniciais, como a resistência de alguns pais que não dese¬javam a matricula de seus filhos. “Alegavam a inutilidade da frequência às aulas, porque ‘a pro¬fessora iria perder tempo e as crianças nasceram surdas-mudas e assim iam morrer’”, escreveu Alberto.
Apesar das dificuldades, Cecília relatou ao jornalista as conquistas daquele ano. “Mesmo os alunos que no início se mostravam arredios e inibidos, encontram-se hoje com mentalidade diferente e adaptados ao meio escolar, convivendo com as crianças normais que frequentam o estabelecimento [Grupo Escolar “Fernando Prestes”, na época]”, explicou. Segundo a matéria, o resultado de 1969 foi considerado excelente “apesar de a professora não ter contado com aparelhos auditivos para treinamento”, pontua.
Alberto Isaac informou que a direção escolar adquiriu naquele ano material adequado para os estudos, uniforme escolar cedido por Vanda Lara e assistência médica do otorrinolaringologista José Carlos Pinerolli no decorrer do ano letivo.
Um dos “segredos” de Cecília Pimentel foi sua enorme capacidade de conquistar voluntários em suas ações. Entre eles, a encenadora Margha Blóes, a artista plástica Lourdes Basso Válio, a pintora Maria Prestes de Albuquerque Ferreira e a psicóloga Leda Carvalho. E quando algum aluno necessitava de outro especialista, ela não hesitava e utilizava seu próprio veículo para se deslocar até outra cidade.
Devido a sua rara sensibilidade, Cecília, no decorrer do trabalho, foi percebendo outras habilidades em seus alunos e começou a estimulá-las. “Ela foi descobrindo que a capacidade de enxergar dos seus alunos era muito mais desenvolvida”, explica Edmundo. Então, Cecília convidou a artista Lourdes, que os ensinou de forma voluntária.
Os produtores explicam que um dos trabalhos desenvolvidos nas aulas foi enviado e premiado na 4ª edição da Bienal de Kanagawa, Exposição de Artes das Crianças do Mundo em 1987. Essas iniciativas, segundo eles, ilustram como Cecília Prestes se preocupava em promover a cultura da inclusão – em uma época que pouco se falava sobre esse assunto.
“A classe era para educação de crianças que não ouviam. No entanto, muitas famílias levavam até lá os filhos que consideravam surdos, mas eles apresentavam outros tipos de necessidades especiais, não eram surdos. Minha mãe ficava penalizada em não poder atender essas crianças, que voltavam para casa e não tinham nenhuma perspectiva de futuro para suas vidas”, escreveu Edmundo em seu blog.
Juntamente ao marido, o jornalista Edmundo Prestes Nogueira, ela decidiu conhecer as instalações da Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) em São Paulo. E por meio do apoio de um grupo de pessoas, conseguiu levantar os necessários recursos para a instalação da instituição na cidade. Em 14 de julho de 1971, a APAE de Itapetininga foi fundada. A princípio em um imóvel cedido no largo do Rosário.
Descobertas – Edmundo conta que, ao realizar as entrevistas, vem descobrindo fatos que até então desconhecia. O principal dele é ter a real dimensão do profícuo trabalho de sua mãe. “Ao produzir o documentário, estou vendo como o trabalho de minha mãe impactou pessoas, como as educadoras Suzana Moraes Albuquerque e Lucilene Pelegrinetti Jardim, que foram estagiárias dela e a levaram como exemplo para suas trajetórias profissionais”, comenta.
Suzana Albuquerque relembrou com emoção e nostalgia os momentos compartilhados ao lado da amiga Cecília Pimentel. “Quando ingressei na Escola Estadual Cel. Fernando Prestes como professora de Deficientes Mentais, em 1979, a sala da Professora Cecília era ao lado da minha. Foi ela quem me acolheu, me dando todo o suporte no início da minha carreira. Sem dúvida foi a minha conselheira. Suas ponderações transmitiam sabedoria e amor. Entendo que, naquela época, quando pouco se falava em inclusão de deficientes, ela já fazia o seu trabalho, buscando incluí-los nas atividades da própria unidade escolar e na sociedade.
Cecília estimulava como poucos o potencial de seus alunos, mobilizava pessoas, agregava profissionais. Ela me marcou, assim como toda a nossa geração, como exemplo de profissional, de ser humano”, explica Suzana Moraes Albuquerque.
O aguardado documentário vem gerando muitas expectativas. Suzana Albuquerque espera que o trabalho possa “revelar a grande mulher que foi Cecília Pimentel e apresentá-la como referência às novas gerações de educadores”.
“Professora Cecília, uma História de Inclusão em Itapetininga” prevê três exibições públicas. “Estamos estudando locais possíveis, queremos atingir o maior número de pessoas e valorizar os profissionais de educação especial. Depois esse material ficará disponível na internet, em capítulos, para que todos possam acessá-lo onde e quando quiserem”, explica Beto Hungria.
“Como queremos falar das ‘Cecílias de Hoje’, educadoras que trabalham com alunos de educação especial, desejamos convidar professores da rede pública e privada para as exibições, valorizá-los. Pois, quando um professor decide educar uma pessoa com deficiência, há muito mais que uma escolha profissional, há amor, um propósito de vida”, reforça Edmundo.
“Minha mãe era uma pessoa extraordinária. Quando eu era garoto, chegava em casa e muitas vezes encontrava um aluno dela no quintal, mesmo nas férias, desenvolvendo atividades extraclasse, pois ela entendia que aquela criança precisava de ajuda, de auxílio. Ela tinha um espírito incansável, pioneiro, determinado, era essa sua missão. Sempre desejando que as pessoas tivessem uma oportunidade, um futuro”, completa.
Acerto – “A vida só pode ser compreendida olhando-se para trás; mas só pode ser vivida olhando-se para a frente!”, escreveu o poeta e filósofo dinamarquês Kierkegaard. Possivelmente esse seja o grande acerto dos produtores: as reflexões sobre o trabalho pioneiro de Cecília Pimentel iniciado há 55 anos representam intrigantes horizontes que nos ajudam a compreender o atual momento da educação especial, provocam-nos e inspiram-nos para novas possibilidades e perspectivas educacionais.