Milton Cardoso
Especial para o Correio
No velório do Memorial Antonio Ferreira de Camargo, familiares e amigos se despediram da professora, escritora e maestrina Olga Maria de Camargo Pellegrini no último domingo, 7. Nome de destaque da cultura itapetiningana, Olga morreu aos 90 anos na noite do último dia 6. Ela estava internada na Santa Casa da cidade e foi sepultada no Cemitério São João Batista.
Familiares e amigos falaram de sua alegria, inteligência, elegância, determinação e de suas histórias envolventes.
“Tia Olga, com sua melodia alto astral, fazia nossas vidas mais felizes, harmônicas e elegantes. Coração amoroso, inteligentíssima, culta e refinada, carinhosa e humana, exalava vida e fraternidade”, escreveu sua sobrinha-neta, Manoela Pellegrini Galvão.
“Madrinha, ao longo da sua vida, você plantou árvores, gravou discos e escreveu livros. Dizem que isso são jeitos de ficarmos nas lembranças das pessoas. Mas a sementinha de amor que plantou em nossos corações e que regou com cada nota da sua música será para sempre lembrada. Obrigada pela canção que fez para mim quando nasci e por tantos ensinamentos sobre respeito e liberdade”, disse a afilhada Bella.
A sobrinha Maura Pellegrini Grama falou sobre os ensinamentos de sua tia: “Aquela que ensinou ao mundo o significado da arte, o encanto da música, a beleza da harmonia, a alegria da vida…”.
O professor e colunista deste semanário, Ivan Barsanti da Silveira, falou sobre a partida de sua grande amiga: “Olga Pellegrini tinha uma alegria de viver. Era o que poderíamos chamar de um tipo inesquecível. Sincera, elegante em suas atividades, de um (incrível) bom gosto em seu vestuário e muito firme em suas opiniões”.
Outros acadêmicos falaram sobre a perda da escritora e maestrina. “Uma grande perda para a Academia, Olga Maria deixará uma grande lacuna na literatura de Itapetininga”, escreveu na rede digital Jorge Paunovic.
“Foi uma mulher inesquecível: inteligente, amável, educada e, acima de tudo, de uma elegância ímpar. Vai fazer falta”, escreveu Maria do Rosário Porto.
Trajetória – Olga Pellegrini nasceu na Vila Rafard, antigo distrito de Capiravi e hoje município, e era filha de uma das grandes lideranças da cidade, Humberto Pellegrini, e da professora Olivia Gomes. Quando tinha dois anos de idade, a família mudou-se para Itapetininga e, desde pequena, destacou-se na sociedade local. Frequentou, com elegância invejável, os salões do hoje centenário Clube Venâncio Ayres e seus grandiosos bailes e espetáculos artísticos.
“No momento em que entravam no salão, as moças eram dissecadas pela plateia, que comentava os vestidos, sapatos, cabelos… (…), quantos vestidos para passar a ferro, quantos saiotes para engomar, quantos saquinhos de pão para fazer papelotes para encaracolar os cabelos! Quanta tagarelice com o grupo de amigas da cidade ou vindas de outras plagas, para dançar no Venâncio! Quantos projetos! Quantas esperanças!”, escreveu sobre o clube que tanto amava. Em 1952, foi coroada “Miss Clube Venâncio Ayres”.
Artista de rara sensibilidade, participou na adolescência da companhia teatral do Clube Venâncio Ayres, importante grupo itapetiningano fundado e dirigido por seu pai em 1946. Dinâmica, também participava de reuniões sociais e estudantis da escola Peixoto Gomide. O amigo Ivan Barsanti comenta que Olga era uma mulher extremamente atuante no Grêmio Estudantil “Fernando Prestes”.
Olga era apaixonada por cinema. Para ela, a melhor sala de exibição da cidade, na década de 1950, era o Cine Theatro São José. “As pessoas entravam bem arrumadas e desfilando. Ele não era suntuoso, mas era tão gostoso! Lá havia camarotes e frisas que eram abertos quando o cinema lotava”, contou certa vez para o jornal Correio.
Formou-se professora primária pelo tradicional educandário Peixoto Gomide. Fez parte das primeiras turmas do disputadíssimo Curso de Aperfeiçoamento, criado em 1954 quando a tradicional instituição escolar se tornou Instituto de Educação. Lecionou por alguns anos em escolas do interior do Estado, entre elas a do bairro do Córrego de Pau d’Alho, em Tupi.
“Olga logo se encaminhou para sua verdadeira vocação, ou seja, ser professora e regente de Canto Orfeônico ou de Canto Coral”, explica Ivan Barsanti. Graduada como professora de Educação Musical pelo Conservatório do Estado de São Paulo, dedicou-se ao ensino de crianças e de adolescentes da rede estadual. “Ensinou a entoarem canções folclóricas, de datas cívicas e sociais, música erudita e popular”, completa Ivan.
Sempre comprometida com a educação, trabalhou na prestigiada escola “Experimental da Lapa” (hoje EE Dr. Edmundo de Carvalho), unidade escolar estadual que utilizava metodologias inovadoras com crianças do pré-primário e primário. Concomitante a essa atividade, lecionou música para refinadas escolas particulares paulistanas e foi regente de coral infantil dos colégios Maria Montessori, União e Vieira de Moraes.
No seu retorno a Itapetininga, encontrou uma cidade que se transformava aos poucos. “Ela [Itapetininga] não se apresenta mais como era aos meus olhos. É uma pena…”, comentou certa vez. Com lucidez, Olga refletiu, na crônica “Memórias Guardadas”, sobre as inevitáveis despedidas das pessoas com quem conviveu e lamentou a falta de preservação dos locais. “Mas os casarões, as igrejas, os passeios públicos, os bares fa¬miliares, os velhos cinemas, estes sim poderiam ter sido segurados se houvesse interesse em resguardá-los, tratá-los com amor e respeito, restaurá-los para a conservação da memória da cida¬de e da nossa”, escreveu.
Movida pela paixão pelo universo artístico, nunca parou com suas atividades em Itapetininga. Foi regente de corais de escolas municipais, comandou o coral da Associação do Bem Viver e encenou “Sobre Gatos e Lebres”. Em 2000, dirigiu a montagem “Purpurina”, escrita por Ivan Barsanti com integrantes do grupo “Vamos ao Teatro”, trabalho apresentado no Clube Venâncio Ayres e Centro Cultural
Publicou algumas de suas composições musicais infantis em “Subsídio para a Educação Física na Pré-Escola”. Escreveu o musical “Cores” e a peça “Num Quarto de Brinquedos Nem Tudo é Brincadeira”, além de inúmeras crônicas e poesias.
Em 2010, assumiu a cadeira Cel. Pedro Dias Baptista na Academia Itapetiningana de Letras. Cinco anos depois, publicou uma coletânea de crônicas, “Lembranças Entre Brumas”, um livro que mostra uma atenta e sensível observadora do cotidiano e reflexões sobre a vida alimentadas por uma memória invejável. Era uma poetisa genuína: tinha um jeito único de ver e de celebrar a beleza do mundo.
“(…) Na realidade o tempo que preside as criações é o da memória: espaço intemporal no qual estão mergulhadas as lembranças, retiradas do baú por mãos sutis que vão tecendo os episódios com os fios da emoção do momento. Sem outras pretensões a não ser reviver o que valeu a pena ou registrar o que ainda está acontecendo e dividir com os outros os frutos dessa vivência”, escreveu, na apresentação do livro, a professora Cecília de Lara.
Apaixonada por diversas manifestações culturais e artísticas, Olga gostava de saraus e era frequentadora assídua dos espetáculos e musicais no teatro do Sesi desde a sua inauguração. Como disse com muito discernimento o professor Ivan Barsanti, para quem a conheceu, “Olga vai deixar milhões de saudades”.