A Noite Memorável de Itapetininga

Dia desses assisti, em versão digitalizada, o filme “E o Vento Levou”. Num passe de mágica, veio-me à memória, o distante ano de 1941. O Brasil pelejava em campos italianos. Eu, mal começara a adolescência e já ocupava o importante cargo de porteiro do balcão do Cine São José. Recolhia o ingresso dos frequentadores e segurava a massa que, sem dinheiro, pretendia entrar na malha e no peito. Lá também, ereto e mais “posudo” do que Clark Gable em seu momento de glória encontrava-se todas as noites o bondoso Romano, que às vezes, nervoso até a medula, impedia que muitos “labiosos” adentrassem a sala cinzenta da plateia pelo prédio da rua Venâncio Ayres sem a competente senha. Eu, como auxiliar direto, de olhos “bem abertos”, também vigiava a cortina vermelha que separava a sala de espera do recinto de exibições.
Nessa noite, tudo colaborou para que Itapetininga assistisse ao grande acontecimento. O céu estrelado… um calor agradável. A grande sociedade, representada por quase a totalidade dos sócios do Venâncio Ayres e autoridades locais, estavam presentes. O maior advogado, Jango Mendes e outros de igual coturno, como Rodolfo Miranda Leonel, o juiz de direito, o promotor público, o delegado de polícia, o médico chefe do Centro de Saúde, o padre, o prefeito Paulo Soares Hungria e sua esposa Hortência. Jovens da época, como Astor Barth, Pedro Matos, Raul
Gavião, Miguel Calux, Calixto Zaher, Rui e João Mendes Junior, Nelson Suardi, Jordão Reginato, Murilo Antunes, Olívia Sacco, Fiúsa, Elfrida, Carmen Camargo, Maria de Souza. Laís Kringer, Adalgisa Scott e mais uma centena de beldades. Bem vestidas, trajando os últimos modelos confeccionados por estilistas da alta costura. Cavalheiros de ternos produzidos por tesouras manejadas pelas mãos hábeis de Zico Alfaiate, Zaidan ou Edil Lisboa. Era o deslumbre da época. A casa Iotada, com frisas e camarotes, todos coloridos por personalidades importantes.
João de Prisco, o gerente do cinema de propriedade de Afonso Samarco, suava a cântaros e pedia aos seus empregados o máximo empenho em servir da melhor maneira os frequentadores da casa. O filme a ser exibido, “E o Vento Levou”, havia sido lançado há apenas dois anos em São Paulo e Itapetininga orgulhava-se em apresentá-lo pela primeira vez no interior do Estado.
Foram seis horas de projeção feitas pelo aparelho alemão “Herman”. Na cabine operando Mauro Vieira, o “Maurão”, coadjuvado por Guedes e Lazinho, sambistas de boa cepa, que nos intervalos de 40 em 40 minutos enrolavam o filme, mas não paravam de palrear, como patativas sem galho. Embaixo, João de Prisco assobiava estridentemente para que eles se aquietassem. A plateia se debulhava em lágrimas com o desempenho de Leslie Howard, Clark Gable, Vivien Leigh, Ehattie Mac Daniel. Quase todos já se foram, mas “E o Vento Levou” é uma prova indiscutível da competência, do poder e da megalomania da Hollywood dourada que sucumbiu, vítima de si mesma.
Naquela longínqua noite de 1941, em que de porteiro humilde da parte do balcão fui promovido a auxiliar do Romano na portaria da plateia, senti-me plenamente realizado. E gratificado, porque João de Prisco deu a cada colaborador – empregado do cinema – a importância de dois réis de gorjeta. Fomos Mauro, Guedes, Lazinho, eu e o Xuxa (lembram-se dele?), comer pastéis no Bar São Paulo do velho Samuel – avô do Carlos José e também do carrinho do Valente. E durante uma semana, com o dinheiro que nos sobrou frequentamos a confeitaria do seu Amador de Oliveira, deglutimos o famoso sanduíche do Garcia, lustramos os sapatos na engraxataria do Átila – organizador dos cordões carnavalescos do 13 de maio –compramos cigarros Aspásia – avulsos da charutaria do português –, tomamos gasosa limonada no Bar 21 Estados e garapa do seu Joaquim (pai do Esaú Pereira Pinto), saboreamos doces do “Gelados”, cujo dono era pai do Ninho Werner, compramos disco de Jorge Veiga, Orlando Silva e Linda Batista na Instaladora Brasileira, do Osvaldo Piedade, fomos bater “caixa”, tomar café na pensão do Malatesta e comentar futebol com os craques da Associação Atlético, Aloísio Melo, o grande zagueiro Malatesta, Osvaldo Cardoso, os irmãos Hermano e Neco Carneiro, Ferreirinha, Osmair, Eleuses e outros e, finalmente, jogamos bilhar no denominado Snooker do Romãozinho, progenitor dos nossos amigos Alair e Moacir Souza Viana.
Desta época não passa despercebida a velha Tribuna Popular, onde pontificava o maior jornalista “caboclo” do Estado de São Paulo, Galvão Junior (elogiou à sociedade o filme); o saudoso Polysanto, o artista fotográfico que, com ineditismo, fotografou na tela uma cena de “O Vento Levou” e os primeiros acordes da Rádio Difusora, a PRD-9, com o vozeirão de Pedro José de Camargo, que no seu “Jornal do Meio Dia” dedicou uma crônica ao filme agora octogenário.
Nessa área, que abrangia o cine São José, Clube Venâncio Ayres, a Prefeitura, Bar Primavera e Rodovia, Largo dos Amores, Bar São Paulo, Salão Cristal, Cingi Ideal, do Vadozinho, Clube Recreativo e imediações, palpitava todo o coração da cidade nos anos 40 e que se constituía na sua parte nobre.
Todos se regozijaram de emoção naquela noite que se perdeu na poeira do passado, mas se “E o Vento Levou” reúne condições para reinar por mais de oitenta anos, a velha Itapetininga do Largo dos Amores e adjacências apenas ficará na lembrança de algumas poucas pessoas.

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