No Seminário, há uma disciplina chamada Hermenêutica. O seminarista, futuro Ministro do Evangelho, aprende ler, estudar e interpretar a Palavra de Deus. A Bíblia foi escrita em duas línguas principais: Hebraico e Grego. O jovem, aspirante ao Santo Ministério, estuda, também, essas línguas para que possa fazer uma tradução fiel. Não se pode interpretar um texto ao pé da letra, pois os escritores, inspirados pela Terceira Pessoa da Santíssima Trindade, usaram muitas figuras de linguagem, tais como: de palavras, de construção e de pensamento.
Jesus, por exemplo, disse aos seus discípulos, depois do diálogo que manteve com o jovem rico: “Quão dificilmente entrarão no reino de Deus os que têm riquezas! Porque é mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que entrar um rico no reino de Deus”. O substantivo agulha, de acordo com o dicionarista Aurélio, é uma hastezinha fina de aço, aguçada numa das extremidades, e com um orifício na outra por onde se enfia linha, fio, lã, cadarço, barbante, etc., para coser, bordar e por aí vai. Há um apólogo de Machado de Assis, onde a agulha e a linha são personagens. A história é interessante pela moral que encerra. Você já leu, caro leitor?
Deixemos a agulha e a linha e vamos ao que interessa. Agulha, naqueles tempos idos de Jesus, era uma portinhola feita nos portões grandes das cidades, a qual, depois de fechados esses portões, ao anoitecer, se conservava aberta para passar pessoas. Aqui, no Brasil, no tempo das estradas de ferro, agulha era o mata burro que, com jeitinho, o burro podia passar, porém sem a ajuda humana, morria entalado.
Jesus, certa vez, disse aos seus discípulos: “Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me”. A cruz que Cristo se refere não é uma doença, uma dor, um inimigo, um vizinho impertinente, um filho drogado, uma esposa ranzinza ou vice-versa, um casamento infeliz. Não é, também uma cruz de madeira ou de metal. Cruz que o Mestre se refere é uma disposição sincera e autêntica para morrer para nós mesmos, isto é para os prazeres e deleites da vida e viver com Cristo e para Cristo. É considerar-se morto para o pecado, todavia vivo para servir aquele que deu a sua vida por nós.
Houve um comentarista, século XIX, que afirmou que tomar a cruz é destronar o amor próprio para colocar em seu lugar o amor a Cristo. Continua o comentarista evangélico e reformado que é desta renúncia própria que resulta a cruz que por amor de Cristo havemos de carregar.
Já vi, em certas estradas, pessoas carregando uma cruz pesada, certas de que estão fazendo um sacrifício de agradecimento a Deus ou obedecendo a ordem de Cristo: “tome a sua cruz e siga-me”. Devemos respeitá-las pela fé que demonstram, porém Cristo quer que nós neguemos a nós mesmos e sujeitemos à vontade do Pai-Eterno.
Diante da doença e do sofrimento, devemos orar, como fez Jesus: “Meu Pai, se não é possível passar de mim este cálice, sem que eu o beba, faça-se a tua vontade”.
Não interprete a Palavra de Deus ao pé da letra, não se esqueça que há muitas figuras de linguagem, portanto faça como Maria, a virgem, que quando ouvia o cumprimento das profecias: “Guardava todas estas palavras, meditando-as no coração”. (Luc. 2:19)