Aquela célebre noite

Quem gosta muito da música popular brasileira não deve deixar de assistir o DVD “Uma noite em 67” (se é que já não o fez). É uma produção dos roteiristas Ricardo Terra e Ricardo Calil, julho de 2010 e que já conseguiu muitos louvores da crítica como o Grande Prêmio do Cinema Brasileiro. Quem é “vidrado” em M.P.B deve tê-lo em sua cabeceira pois irá vê-lo mais de uma vez certamente. Trata-se de um filme completo sobre a finalíssima do Terceiro Festival da Música Popular Brasileira produzido pela TV Record de São Paulo, realizado num sábado de outubro de 1967, ocorrido no enorme Teatro Paramount, na avenida Brigadeiro Luís Antônio no bairro (boêmio) da Bela Vista, por aí.

Naquela época os festivais da TV Record paravam a cidade de São Paulo; desde o segundo em outubro de 1966, quando “A Banda”, de Chico Buarque empatou com “Disparada” de Geraldo Vandré. Os maiores de idade (já vacinados!) devem lembrar. Pois é, a finalista de 1967 prometia grandes emoções. E não deu outra. 1967? Três anos após o Golpe civil-militar de 1964 quando a Censura “caiu em cima” da produção cultural brasileira. Muitas e muitas liberdades civis foram suprimidas.

Ainda não era o tempo do tenebroso A-5, Ato Institucional, número 5 e 1968, que irá aterrorizar de vez o país (e pensar que muitos incautos, ainda hoje, pedem a sua volta). Neste festival de 1967 a plateia composta em sua maioria de estudantes universitários que viam nesses espetáculos, uma maneira de manifestarem-se contra os militares que estavam no poder (no caso, o ditador Arthur da Costa e Silva, então presidente de plantão desde país).

A maioria desses estudantes eram dos muitos cursos da Universidade de São Paulo, a USP; outros da Pontifícia Universidade Católica, a PUC paulistana. Quase todos rotulados de esquerda. Mas haviam outros de universidades particulares que seriam de direita. E mesmo no pessoal de esquerda havia “rachas”, divisões.

Um grupo deles não admitia de maneira nenhum a introdução da guitarra elétrica (intromissão indevida, diziam eles) na canção brasileira. Achavam eles que tal guitarra acabaria com a pureza da M.P.B, desvirtuando o som original e ocasionando a perda de autenticidade, tornando-a som universal. Isto, não poderia acontecer. Outros também de esquerda, consideravam-se progressistas e eram favoráveis a guitarra e outras tecnologias alienígenas (estrangeiras). A noite da finalíssima transformou-se em uma guerra.

São Paulo parava para assistir a final (pois é, a canção brasileira já teve seu horário nobre, bem diferente de agora). Naquela noite, durante todo o “show” houve muita e muita tensão: Sergio Ricardo não pode cantar por causa das vaias (foi o “bode expiatório” de algumas torcidas) e acabou atirando seu violão contra a plateia; Hebe Camargo, Ronnie Von, Roberto Carlos, foram vaiados (Roberto não ligou). E como era o esperado Caetano Veloso e Gilberto Gil, adeptos da já famosa guitarra, foram apupados no inicio de suas apresentações. Caetano com “Alegria, Alegria” (sem lenço, nem documento…) e Gilberto Gil apresentando “Domingo no parque”, com uma letra cinematográfica. Mas devido a excelência de suas composições acabaram ovacionados. Gil tirou o 2° lugar. Roberto Carlos com o samba “Maria, carnaval e cinzas” acabou sendo aplaudido, mesmo sendo ele, considerado de direita. Francisco Buarque de Holanda com o auxílio do M.P.B-4, interpretando “Roda viva” conquistou o 3° lugar (roda vida, roda gigante…) e o primeiríssimo ficou com uma composição de Edu Lobo cantado por ele e por Marília Medalha, a música (com base nordestina) “Ponteio” (era um, eram dois, eram três…).

O DVD “Uma noite em 67” é para ser assistido por várias vezes e mostra o alto nível cultural da M.B.P, naquela época. Em 1967 a TV Record não “pegava” aqui em Itapetininga e daí que os itapetininganos não puderam assistir, ao vivo, o histórico festival.

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