Conversando e cantando… eram as conhecidas lavadeiras da caixa d’água

Em muitos momentos daquelas décadas do início de 30 ao final de 1960, os que passassem pelos lados do Colégio Imaculada Conceição, ouviriam, naturalmente surpresos e com uma certa emoção, as vozes entoando o famoso samba do antológico compositor da música brasileira, Cartola: “…ensaboa mulata, ensaboa…”, em ritmo dos mais cadenciados e agradáveis. Eram as quase cem lavadeiras que cantavam no antigo Largo da Caixa D’Água, ou Cruzeiro, onde se situam atualmente o Ginásio Esportivo Mario Carlos, o Centro de Saúde, a Escola Yolanda Carvalho Pinto e a agência do INSS, além da Casa da Agricultura.
Naquela área, um pouco distante do centro da cidade, diversos tanques de cimento, construídos por iniciativa do prefeito Abílio Ayres de Aguirre e consolidados por Francisco Lisboa, os tanques, separados uns dos outros, mas em um só sentido, recebiam toda água de uma caixa existente nas proximidades e que provinha do primeiro manancial que fornecia o líquido à população: o de Mato-Seco, construído em 1908, no bairro do mesmo nome.
Eram diariamente mais de cem mulheres, variando de idade, condição social, raça ou cor, mas todas unidas, trabalhando num só objetivo: lavar, enxugar e entregar as peças às freguesas residentes em vários pontos da cidade. Por muitas vezes, enquanto os tanques eram ocupados, formavam-se filas, aguardando cada uma a sua vez de trabalhar. Organização perfeita e sem qualquer turbulência. Enquanto esfregavam e torciam as peças, elas se deliciavam em conversar, contando causos, histórias, revelando fofocas, piadas e, principalmente, cantando músicas das mais expressivas e cadenciadas de acordo com as batidas das peças nas superfícies do tanque. Quem assim explica e vivenciou a época, Geraldo Ferruci, o Geraldino Pintor, lembrando que sua avó Dona Generosa Maria, todos os dias lavava e passava dezenas de peças de roupas, não só para familiares como para particulares.
Eram as Marias, Bernadetes, Rosas, Nhás Cândida e Sinhara. Célias e tantas outras, que trabalhavam para aumentar o orçamento de suas casas e sem qualquer constrangimento em realizar as tarefas, que consideravam das mais dignas e decentes.
Algumas, mais sofisticadas e cobrando um pouco a mais, empregavam os sabões Minerva, Gessy ou o Carioca, enquanto que as mais humildes utilizavam o sabão de cinza, preparado com sebo, soda cinza e gordura, também com ótimos resultados.
Após torcer e esfregar as roupas, elas eram colocadas para quarar ao sol, em plena grama, e posteriormente embaladas em trouxas para a entrega à freguesia. No cair da tarde, como um espetáculo preparado, as lavadeiras, em rodilha de tecido ou colcha colocada na cabeça equilibravam as trouxas, por vezes pesadas, e as levavam aos destinatários. Um espetáculo que se incorporou à paisagem da época: elas, com o fardo de roupa na cabeça, eretas, em passos firmes, postura dominadora, com elegância, assemelhando-se a jovens desfilando na passarela, com graça e altivez.
Tanques semelhantes também existiam na Vila Rio Branco, próximos ao cemitério municipal e todas as lavadeiras daquele local residiam nesse antigo Paquetá, hoje com uma densa população. Após a solução definitiva do problema da água, praticamente noventa por cento de ltapetininga recebe o líquido e enquanto muitas famílias procedem a lavagem de roupas em suas próprias residências com máquinas, outras preferem enviá-las às tinturarias, atualmente dotadas de técnicas modernas, no processo de lavar e passar. No entanto, ainda repercute no antigo Largo da Caixa D’Água ou do Cruzeiro, pois lá erguia-se uma tosca cruz – a cantiga das bravas lavadeiras:
“Ensaboa mulata, ensaboa… eu vou ensaboando…! ”

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