Decisão Prudente

Abri a porta e entrei. O silêncio era geral. Automaticamente, antes de lavar as mãos, como faziam os fariseus, embora eu não seja um deles, fui à cozinha e liguei a televisão. Era hora do almoço. Depois, ouvindo a reportagem do meio dia, com a minha repórter preferida, pois ela tem um quê de mistério, cuidei da minha higiene pessoal.
O almoço já estava pronto. A minha esposa, além de querida, é esperta e, no dizer de Salomão, o rei de Israel, é virtuosa e o seu valor excede o de rubis. Coloquei prato por prato no micro-ondas, cada um na ordem numérica. Por fim, assentei-me à mesa, porém os meus olhos não se desligavam do noticiário. Acompanhei as buscas pelos morros do Rio de Janeiro. Vibrei com as jogadas dos meus craques favoritos e fiquei apreensivo com as declarações do Ministro da Fazenda.
Acabou o programa, porém deixei o aparelho ligado, uma vez que o segundo era tão importante como o primeiro. Viajei pelos países do primeiro mundo e senti, pela primeira vez, inveja, que é pecado. (Ó Deus, perdoa-me por transgredir o décimo mandamento da tua lei.)
O dever exigia a minha presença noutro lugar. Saí, deixando atrás de mim o meu sonho. Sou um sonhador mor!
Depois de um dia de trabalho, voltei desejoso de saber como se desenrolaria a minha novela preferida. Participei de todas as cenas e senti-me na casa de todos. Chegaram meus familiares. Jantamos. Cada um queria assistir ao seu programa.
Fomos para a sala de estar resignados e fartos. Todos, afinal, reunidos, porém presos, mudos, atentos. De vez em quando, um sussurro de espanto, admiração ou dor. A novela terminou e cada um procurou o seu quarto, ligando a sua televisão, mais uma vez na ilusão. (Confissão que o Sr. Eugênio fez de sua vida diária.)
No dia seguinte, tocado pelo Espírito Santo, o Sr. Eugênio Figueiredo da Cruz e Silva, disse: Mudei de vida. Não podemos, disse ele aos seus familiares, terminar o dia que o Senhor nos deu na ilusão e sem agradecer. De hoje em diante, logo após o jornal de notícias, nós vamos ler um trecho da Bíblia e orar. A televisão não pode ser a nossa deusa. Nós temos um Deus que nos ama, dirige, guarda e abençoa.
A sua família concordou e, logo após o culto doméstico, todos foram dormir alegres, felizes e com a consciência tranquila, sabendo que haviam cumprido com o dever cristão. Ninguém mais teve a coragem de ligar a televisão depois do culto. Eugênio nasceu de novo e todos os seus familiares. Ninguém mais vive preso pela televisão e pelo celular na família do Sr. Eugênio. Eugênio, o bem-nascido!

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