O nosso respeitável e real personagem, o Senhor Abelardo, muito conhecido em épocas passadas em Itapetininga, sempre criando situações embaraçosas e perplexas.
Pois o citado acima, chamado Abelardo, num certo dia, estendeu-se comodamente na sala de leitura de uma biblioteca local e retirou do bolso uma carta e pôs-se a ler em voz alta.
-Desculpe, balbuciou um senhor de idade avançada, que estava sentado próximo de Abelardo, -peço-lhe o favor de ler mentalmente.
-Ler mentalmente? O que? – perguntou Abelardo.
-Não sei, disse o senhor – Aquilo que o senhor desejar. Isto é uma biblioteca e há aqui muitos livros.
– Eu não leio livros –retrucou nosso personagem. – Não me interessam. Leio esta carta. É uma carta de meu irmão.
-Está bem, continuou o idoso – leia o que quiser, mas leia mentalmente.
-E porque eu hei de ler mentalmente? É inútil ler mentalmente se já sei o que está escrito … prosseguiu admirado.
-Então porque relê em voz alta?
-O senhor sabe o que me escrevem?
– Eu não tenho a menor ideia – respondeu o senhor.
-Então, se eu não ler em voz alta, nunca o senhor saberá o que diz a carta- disse Abelardo.
-E o que importa a mim saber o que escreveu o seu irmão? Resmungou, já muito irritado, o idoso.
-Se o seu irmão lhe escrevesse, importava-lhe saber o que ele iria dizer?
-Claro que importaria.
-Então se eu lesse em voz alta uma carta de seu irmão, o senhor ouviria? Perguntou Abelardo.
-Ouviria!
-E por que eu havia de receber uma carta de seu irmão? Berrou Abelardo. O senhor é um tipo curioso, sabe? Eu recebo cartas do meu irmão e não do seu! Vejam que espécie de pretensões! Agora quer que leia em voz alta as cartas do irmão! Eu que nem sequer o conheço!
E Abelardo levantou-se da cadeira de madeira nobre e almofadada, meteu a carta no bolso do paletó e afastou-se resmungando.
O senhor de idade mexeu a cabeça, pensou um pouco, deu uma pequena risada e voltou a ler o livro de contos de Machado de Assis, já na página 58.
A Biblioteca onde aconteceu o fato é a do Clube Venâncio Ayres, na década dos anos 40.