Invasão da Privacidade

Quando eu cheguei, ela estava encostada `a porta, metida em si mesma, absorta, remoendo um sonho que tivera à noite. Sofrera e amanhecera cansada. Fora um pesadelo.
Com o barulho dos meus passos, ela se despertou, recompondo. Sorriu para mim, respondendo o meu cumprimento.
– Pensando na vida? perguntei.
Ela, sentindo-se mal com a minha questão, respondeu:
– Quero trazer à memória só o que me pode dar esperança, mas não consigo. Com os pensamentos bons, sempre aparecem os maus em maior número. Não sei afugentá-los.
Ela, como a cara leitora pôde notar, citou o profeta Jeremias que, em seguida, afirmou: “as misericórdias do Senhor são a causa de não sermos consumidos, porque as suas misericórdias não tem fim; renovam-se cada manhã.” ( Lamentações de Jeremias3:21 e 22) Tomei o fim da meada e amarrei com as últimas palavras da Ana Paula. Poupo espaço e não digo como fiz.
Ela percebeu e, com os olhos esquecidos no passado, disse:
– Quero renovar as minhas ideias com pensamentos novos. Que Deus me ajude para que cada manhã que ele me concede possa ter novos pensamentos e que a minha vida possa ser o reflexo divino.
Achei tudo aquilo muito bonito. Não fiz perguntas a respeito de sua vida, de seus amores, de seus pensamentos que voavam. Lembrei-me do professor que gostava de falar e não permitia que os seus alunos fizessem qualquer pergunta. Ficava bravo e chegava a ofender os seus discípulos, afastando-os do seu convívio. Creio que tinha algum trauma. De fato, há alunos que são chatos e querem exibir, fazendo perguntas, cujas respostas já sabem.
Carlos, por exemplo, que era um aluno exemplar, saiu da escola por causa do professor. Não suportou a atitude do mestre, quando fez uma pergunta. Aliás, Carlos não sabia mesmo e queria entender. O professor achou que o aluno havia invadido a sua privacidade.
Não respondeu a pergunta, mas procurou se exibir, citando vários escritores famosos e perguntou: – Você já leu Sócrates, Platão, Aristóteles, Spinoza?
O aluno ficou triste, pois a sua privacidade pessoal, também, foi invadida. Daquele dia em diante, sentiu-se como um cachorro, ficou triste, enrolou-se em si mesmo, até que os seus pais o transferiram para outra escola.
Quem merece pena, o professor ou o aluno?

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