Não constitui surpresa para aqueles que viveram no final de 1940 e os anos subsequentes até 1980 que o carnaval desta cidade se incluía entre os melhores do interior paulista, tal a sua movimentação, alegria e luxo. A partir de 1949, sempre em setembro, a comunidade já começava a se inquietar, pois as cuícas iriam roncar nas ruas principais da cidade, abrangendo a avenida Peixoto Gomide, Campos Sales, Júlio Prestes e Largo dos Amores, estendendo-se aos clubes Venâncio Ayres, Recreativo “Operário”, 13 de Maio e, em determinadas ocasiões, salas alugadas que ofereciam bailes aos que não frequentavam entidades associativas.
Os sucessos musicais esquentavam os possíveis foliões com o martelar da Rádio Nacional que transmitia músicas como “Chiquita Bacana”, com Emilinha Borba, “Pedreiro Valdemar” e “General da Banda” com Blecaute, além de outras com Nelson Gonçalves, como Confeti e Dalva de Oliveira entoando a clássica “Bandeira Branca”. Antes dos “Anos Dourados”, o famoso Largo dos Amores, fervilhava com as evoluções dos “Cordões do 13 de Maio”, comandados por AIfrino do Posto de Saúde e Atila, proprietário de uma engravataria e grande galista. Reverberavam e eram admiradas Maria e Odete de Souza, Fiúca e Anésia Jardim, além de outras beldades da época, que brilhavam nos clubes, tal a simpatia e donaire que exibiam encantando a todos.
Como lembra Ivan Barsanti, apaixonado eterno pela folia momística e participe ativo, durante dezenas de anos, “o carnaval de Itapetininga teve seu auge nos anos 1950 quando era realizado o desfile de rua com a participação de dezenas de blocos, cordões, alegres anônimos e participação dos clubes (notadamente Venâncio e Recreativo) com ricos e luxuosos carros alegóricos devidamente ornamentados e significantemente temáticos”.
Esse tempo (1950) assinala então o surgimento das grandes estrelas dos carnavais desta cidade, corno Marlene, Vera Raffa, Pantaleão, Maria de Souza e posteriormente Ivone Lisboa e Miriam Orsi.
Vinda da vizinha Angatuba, Mirian já frequentando a escola Fernando Prestes, destacava-se como artista de promissor futuro, porquanto sua mãe Ernesta Rabelo – agitadora cultural e expressão das mais salientes do mundo social – e seu pai Júlio Orsi, Rei Momo, por dezenas de anos, educaram-na em clima festivo e artístico dos mais refinados. Após diplomar-se na Peixoto Gomide e iniciar-se no magistério, sempre envolvida em acontecimentos sociais, tornou-se, professora de ballet clássico, introduzindo esse curso em Itapetininga e habilitando muitas jovens não só dessa localidade como de outros municípios do Estado de São Paulo. Suas apresentações eram arrebatadoras, exibindo-se constantemente no Venâncio Ayres, em Tatuí e Sorocaba, além de São Miguel Arcanjo, Sarapuí, Capão Bonito e Angatuba, mas nunca deixando de frequentar bailes carnavalescos. Eleita “Rainha do Clube Venâncio Ayres”, foi sempre uma das personagens principais dos carros que a entidade colocava na rua.
Com fantasias assemelhadas as mais deslumbrantes do Rio de Janeiro e confeccionadas por ela e sua mãe, com esmero e dedicação, surgia em baiana estilizada, igual a de Carmen Miranda, ou de Maria Antonieta ou Cleópatra. Seu pai, Júlio Orsi, foi praticamente o fundador do bloco “Babo Grosso” e Mirian no pedestal do carro alegórico “dominava todo ambiente”, segundo Ivan Barsanti, “tal a sua beleza e magnitude”.
Além dos carnavais, onde era considerada como uma das mais animadas, Mirian nos bailes de gala, se salientava pelo prazer de dançar tendo, como par constante Almir Ribeiro (que depois tornou-se famoso como cantor, falecido muito jovem). Durante um lapso de tempo deixou de desfilar, mas a partir de 1976 retornou triunfalmente às ruas e com o tema “Esplendor de uma Década – 1930”, travestindo-se de Maria Machadão – o célebre romance de Jorge Amado, “Gabriela, Cravo e Canela”.
Outra personagem que causou impacto foi como rainha portuguesa no tema “Ladrilho Português”, sempre pelo “Babo Grosso”.
Mirian Rabelo Orsi, talvez assista pela televisão o carnaval itapetiningano e, com certeza irá se lembrar de seus companheiros, brilhantes nas festas momísticas: Dulce Alves dos Santos, Ricardo Waddington Soares, Marilena Rabelo, Ivan Barsanti Silveira, Luiz Ataíde e Ivone Lisboa entre dezenas, imbatíveis na Virgílio de Rezende, e ovacionados pela multidão. Mirian, que certa vez, ao entrar no Venâncio foi barrada por um porteiro novato no local, que não a conhecendo perguntou quem era ela. Mirian, quase majestática respondeu: “Eu… eu sou o Carnaval e nada mais”.
(*) Publicada originalmente no livro “Memórias Vivas”, volume 1.