De cinco a quinze anos de idade (por aí…) residi na rua Campos Salles no quarteirão que terminava na então loja Moucachen onde se comprava artigos finos de roupas femininas e masculinas. Estou escrevendo sobre as metades das décadas, final 1940 e inicio de 1950, mais especificamente, entre 1945 até 1956.
Neste período, lembro-me bem, a Campos Salles, nesse citado quarteirão possuía muitas residências familiares e poucas casas comerciais como a já citada Moucachen, uma padaria (a do Emilio Nastri), uma loja de armarinho (do Marcos), duas farmácias (do seu “Jujú” e do “Jô” Lara), uma quitanda (da Elice), uma cabelereira (Dona Anita), uma agencia telefônica (dirigida pelo Osvaldo de Souza), uma confeitaria (Villar) e um empório (da família Hungria). O restante eram casas familiares, que, no Verão, as tardezinhas colocavam cadeiras em frente a suas casas para conversarem com a vizinhança ou conhecidos que passavam naquele trecho de rua. Poucos (muitos poucos) automóveis circulavam, raríssimos caminhões e bicicletas (estas, em maior número). Dai que a garotada masculina jogava bola no meio da rua e as meninas brincavam de roda cantando canções muitas delas do folclore brasileiro e pulavam corda. Todos ali se conheciam. Pelo fato de ser a mais central de Itapetininga, a rua Campos Salles era palco de grandes manifestações da cidade. Os desfiles de carnaval, do Sete de Setembro, de manifestações políticas. Lembro do desfile da vitória quando terminou a Segunda Grande Guerra Mundial em 1945 que como vocês sabem, com a participação dos soldados brasileiros, os chamados “pracinhas”. Entre outras entidades o “Clube Venâncio Ayres” participou com um caminhão ornamentado, alusivo a comemoração. Em 1952, o enterro do poeta prosador, radialista “Nhô Bentico” (Abílio Victor) ocupou todo o quarteirão com um enorme acompanhamento (centenas de pessoas). Enfim, a Campos Salles era o termômetro da cidade.
Mas o que caracterizava os moradores do quarteirão citado na Campos Salles era o rádio. Todas as casas possuíam o aparelho (na época ainda não havia transmissão de canais de televisão na cidade, a não ser em cinco ou seis casas com torres altas).
Desde a manhã janelas e portas bem abertas (naqueles tempos, o dia) o som do rádio saia das casas para a rua. Desde os da PRD-9 daqui como das estações cariocas e algumas paulistanas.
A maioria das famílias sintonizavam a radio nacional do Rio de Janeiro (uma espécie de TV Globo, hoje) que, faziam parte do patrimônio do Governo Federal (Presidentes: Getúlio Vargas, depois o marechal Eurico Gaspar Dutra e Getúlio Vargas novamente).
Com uma possante frequência modulada (todos os aparelhos de rádio “pegavam”) e com um numeroso (e excelente) “cast” artístico, onde os cantores se apresentavam ao vivo, de manhã até a noite e ainda um elenco de rádio-atores e atrizes de novela (ouvidíssima). Em 1951 e 1952 quase todas as casas daquele trecho ouviam emocionadas a novela cubana de Felix Caignet “O direito de nascer” com Paulo Gracindo e Yara Salles (no papel de “Mamãe Dolores”) a frente de um grande elenco.
Em janeiro e fevereiro, a musica carnavalesca predominavam em todos os aparelhos de rádio. Em 1950 a cantora Emilinha Borba encantava o país e a rua Campos Salles com a marchinha “Tomara que chova” (três dias sem parar…) e em 1952, Marlene entoava “Lata d’agua na cabeça” (lá vai Maria…). As moças e rapazes prontamente decoravam para irem depois canta-las nos clubes da cidade. Ouvia-se também o “Repórter Esso” (testemunha ocular na história).
Enfim, o som das rádios animava aquele trecho da rua Campos Salles tornando-a vibrante, menos provinciana e atualizada. Até cosmopolitana.