“Os sofrimentos do jovem Werther”, de Johann Wolfgang Von Goethe

Por: Daniel Paulo de Souza

Fabulações transformadoras

Uma das virtudes dos grandes clássicos reside na capacidade que eles possuem de arrebatar, de forma ininterrupta, diferentes gerações por meio da sensibilidade poética com a qual expressam o drama humano. A identidade entre as representações ficcionais e as vivências do leitor, marcadas no âmago da existência, torna genuínas as histórias narradas e ainda mais perenes os personagens que alicerçam as tramas. Essa reverberação da arte na vida passa por aquilo que Friedrich Schiller denomina de “disposição estética do ânimo” inerente ao homem, ou seja, um atributo sensível da consciência que a conduz à contemplação da beleza e do qual se origina a liberdade. Segundo o filósofo, “as artes do belo e do sublime vivificam, exercitam e refinam a faculdade do sentir, elevam o espírito dos prazeres grosseiros da matéria à pura complacência das meras formas”.
Publicado pela primeira vez em 1774 e responsável por redesenhar a arte literária em língua alemã, o romance “Os sofrimentos do jovem Werther”, de J.W. Goethe, um dos mais proeminentes e admiráveis autores de todos os tempos, transformou-se imediatamente em um marco da literatura mundial a ponto de inaugurar o Romantismo e de referenciar, com o amor trágico e intenso vivido pelo jovem protagonista, essa afinidade entre obra e público. A advertência inicial, ao preparar a “boa alma” que lê o livro e que “sente como ele [Werther] esse mesmo ímpeto”, apela para que a história seja consolação aos que padecem de semelhante aflição. O destino penoso do personagem, fruto da mais febril paixão e narrado com sinceridade confessional, aliado a sinais autobiográficos de Goethe, permitiu que, nas palavras de Michael Hulse, o sucesso do escrito fosse “veloz e imenso”.
Para além de uma obra epistolar formada em sua maioria pelas correspondências enviadas ao amigo e confidente Wilhelm, similares aos registros de um diário, “Werther” é, como destaca Marcelo Backes, “o romance de uma alma, uma história interior”, na qual o “eu” se mostra forte, e o sujeito se evidencia vigoroso e se assegura “somente na sua própria opinião”. Embora cercada de outros elementos ou de sucessivas ações, a intriga, construída quase totalmente em primeira pessoa, é sustentada basicamente pela expressão máxima da cosmovisão do próprio Werther, que faz a realidade adquirir o contorno estético de sua percepção sobre as coisas e de sua maneira de agir diante delas.
À primeira vista, a narrativa apresenta alguém feliz e em plena sintonia com a natureza exuberante que compõe a sua nova residência. Werther demonstra tranquilidade com a mudança ao passo que revela, mesmo apartado dos que ama, uma “serenidade maravilhosa” diante da paisagem em que se encontra. A solidão daqueles dias é, para ele, “um bálsamo precioso” ao coração porque lhe permite contemplar, sem distrações, não apenas o “lugar paradisíaco”, mas também os camponeses, as crianças e os hábitos locais. Ali o sofrimento só recai sobre quem não consegue “suportar a indiferença do presente” ou sobre quem está empenhado em “remoer as lembranças dos infortúnios passados”.
Não obstante à paz interior que admite em si, reflexo dessa exterioridade convidativa, ele reconhece que esse seu coração permanece sendo “desigual e instável”, capaz de variar “da fleuma aos excessos mais sanguíneos”, portanto precisa ser alimentado por canções e não por livros que porventura possam encorajá-lo ou incitá-lo a paixões avassaladoras. Essa confissão de uma certa fraqueza de personalidade é, desde cedo, um índice de que Werther tenta racionalizar os sentimentos, porém, no fundo, considera-os soberanos quando as circunstâncias os fazem emergir incontrolavelmente, como se confirmassem a célebre ideia de Rousseau na qual diz que, “se é a razão que faz o homem, é o sentimento que o conduz”.
Nessa busca pelo equilíbrio e pela mansidão, Werther descobre o simples vilarejo de Wahlheim e projeta ali a placidez que tanto persegue. Nesse lugar, viceja com muita clareza uma das características mais marcantes da obra e, por extensão, uma das mais utilizadas pelos autores românticos: a representação da natureza como reflexo do estado de espírito do homem e ambiente estimulante para a fuga (ou o escapismo) do real. Particularmente nesse romance, conforme lembra Marcelo Backes, “a natureza ajusta-se, em sua beleza e fúria”, à alma do protagonista, cujo envolvimento o leva a afirmar que “só ela é infinitamente rica e só ela é capaz de formar o grande artista”.
É Wahlheim que finalmente possibilitou a Werther conhecer a pessoa que mudaria o destino dele: durante um baile camponês, ele é apresentado à encantadora, singela, generosa e serena Charlotte, “um tesouro escondido” naquela pacata região, uma dama que já estava prometida em casamento ao distinto Albert, mas que fez “prisioneiro cada um dos meus sentidos”, no dizer do próprio Werther. Já no baile, entre danças e conversas, uma verdadeira paixão irreprimível foi cultivada em seu coração sob o pano de fundo de uma inocente amizade. Para o jovem burguês, um fervoroso amante e um “sonhador” crente na consumação do amor, as emoções galgaram proporções ascendentes, por isso ele tornou-se assíduo frequentador da casa de Lotte e com ela partilhou longa temporada de caminhadas e de encontros naqueles sítios em que, por ora, todos os elementos naturais ainda irradiavam o esplendor da benfazeja chama emotiva.
Fato é que a descoberta da existência de Albert e a confirmação do propósito firme de Lotte de honrar-lhe o compromisso matrimonial fizeram “o mundo esvair-se no entorno” do apaixonado Werther, entretanto não o demoveram de investir no que sentia e de transformar o amor em obsessão. Tamanha era a vontade de tê-la por perto que, em certa ocasião, assim como a “pedra de Bolonha”, o misterioso minério que reluz à noite a luz solar absorvida durante o dia, ele mandou um empregado vê-la para que “pudesse ter perto” alguém que “tivesse estado com ela”, para ter a certeza de que os olhos dela “haviam repousado” no rosto do criado, “em suas bochechas, nos botões de sua casaca e na gola de seu sobretudo”, afinal “tudo se resumia” a esta perspectiva: vê-la.
A idealização da figura feminina é parte da exploração romântica narcisística que o “eu” opera de si mesmo a fim de autocontemplar-se na experiência intensa da dor amorosa. Conforme Massaud Moisés, essa tendência ao egocentrismo é produto de um “eu” que se faz “espetáculo de si próprio”. Marcelo Backes diz que tudo em “Werther” é “construído para afirmar o sujeito”, é um mergulho em uma subjetividade onipresente que tenta fazer ecoar o drama de sua vida incompleta. Além disso, essa ideia do amor como virtude máxima e dos sentimentos como palco do debate da realidade adquiriu força através do movimento alemão “Sturm und Drang” (“Tempestade e Ímpeto'”), segundo Baumann e Oberle o “primeiro movimento revolucionário da juventude”, que preconizava uma reação sensível contra o esclarecimento (“Aufklärung”) exacerbado do Iluminismo.
Albert, o “ótimo” e “querido” noivo, entra em cena, e Werther decide sair, mas não sem antes levar a cabo a ideia de deixar para trás a vida que tanto lhe provoca sofrimento: o afastamento da amada, a perda do emprego na embaixada, o repúdio da nobreza, a loucura de amor de Heinrich, a defesa solitária do assassino do amante da viúva e, principalmente, a rejeição de Charlotte revelam-lhe uma existência inteira conspirando contra a sua felicidade. Impedido de estar ao lado da mulher de seus sonhos, ele enxerga o suicídio como libertação das agruras da alma, pois entende que “o ser humano é humano” e que tudo importa pouco quando “a paixão ferve” e arrasta esse ser até “os limites de sua humanidade”.
Apesar de o homem passional não ser criação dos românticos, ganhou deles projeção e empatia. Tão logo o livro foi lançado, encontrou, nos anseios anímicos da juventude da época, repercussão para uma cultura de imitações de Werther, das suas ações e até do seu estilo de casaca azul, colete e calções amarelos. A necessidade de experimentar na pele a desventura de outrem passa muito pela ideia de que “só podemos falar com verdade de alguma coisa se formos capazes de senti-la por nós mesmos”.

 

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