Nesses dias de pandemia, assistindo um filme numa das plataformas existentes, deparei-me com um interrogatório da inquisição, onde o juiz e seu assistente deixaram as inquiridas loucas, confundindo-as com suas perguntas sem nenhum sentido, fazendo-as confessarem serem bruxas, mesmo sem saberem o que significava o nome. Isso me fez lembrar o nosso Abelardo, aquela figura kafkiana de “O processo”, excêntrica, um verdadeiro inquisidor da idade média, que saindo de sua residência na rua Aristides Lobo, em frente à casa da família Salomão Abib, sempre encontra uma vítima para atormentar. Desta vez, próximo à sua residência parou um cavalheiro que passava naquele local e disse:
– “Desculpe, mas quanto o senhor pesa?”
– “Eu?” – perguntou o homem, que não entendeu o significado da abordagem.
– “Sim, o senhor”. Respondeu Abelardo.
– “Mas que interesse tem com isso? ” Que interesse tem para o senhor saber o meu peso”, repetiu o cidadão.
– “Que interesse tem para mim?”, disse Abelardo, dando mostras de admiração. – “Não sabendo quanto pesa, não posso sequer saber se me é possível levantá-lo com uma mão.”
– “Mas eu não quero que o senhor me levante com uma mão!” Gritou indignado o indivíduo. “Eu nem sequer o conheço!”
– “Não se zangue- protestou Abelardo. – “O senhor está no seu direito de não querer que eu o levante com uma mão e eu, então, levantá-lo-ei com as duas. Porém nunca me sucedeu que uma pessoa de bem, que vejo pela primeira vez na rua, pretenda que eu o levante coma as duas mãos. Ouça lá, o senhor era habituado a que os transeuntes o levantem com as duas mãos?”
– “Mas de modo nenhum!” berrou ele, perdendo a paciência.
– “Então só com uma” – concluiu Abelardo. – “Me desculpe, se não me diz quanto pesa, não posso levantar. O senhor desculpe mesmo.”
Parando outro transeunte que passava Abelardo disparou: “Diz o senhor que é mais robusto do que eu, que levanta este senhor só com uma mão!”
– “PQP! Vá para o inferno, você e os que lhe dão ouvidos! Gritou o indivíduo desatando a correr e desaparecendo no final da rua Monsenhor Soares.
– “Que tipo curioso” – disse Abelardo ao outro cidadão, que não entendeu nada do que se passava. – “Tem que ter paciência. Primeiro, queria que eu o levantasse com as duas mãos, depois só com uma, mas eu não me sinto capaz de fazer esforços esta manhã. E depois, uma pessoa que quer que os transeuntes a levantem deve ser doido varrido!”
Assim Abelardo, despediu-se, abanou a cabeça, cumprimentando a todos que presenciaram a cena e afastou-se tranquilamente.