Em comemoração aos 254 anos de Itapetininga, a Ponte do Bairro do Porto é relembrada como um marco histórico essencial para a cidade, contando histórias de progresso e desafios. Desde sua construção, datada somente em 1927, ela representa não apenas uma passagem sob o Rio Itapetininga, mas também uma parte importante do desenvolvimento econômico e cultural de toda a região. O ponto de travessia, hoje revitalizado, foi testemunha dos tempos do tropeirismo e das rotas bandeirantes, que foram fundamentais para a formação e consolidação de todo o interior paulista.
Para o pesquisador e arquiteto Igor Chaves, a ponte se destaca como uma estrutura única em meio às transformações de Itapetininga. Igor revela que embora a data exata da construção inicial da ponte não seja consensual, há registros de uma ponte na mesma região desde o século XVI, chamada de Ponte do Registro do Ouro. “Ela era parte de um caminho essencial para o transporte de ouro de aluvião, especialmente o encontrado nas margens dos rios São José e Paranapanema, além de outras reservas em Apiaí,” explica.
“A exploração aurífera na região também levou à formação de povoados importantes, como São José do Paranapanema (hoje Guapiara) e Arraial Velho (atual Ribeirão Grande), fazendo da região uma das mais antigas de mineração de ouro no estado”.
Segundo ele, as travessias foram estratégicas para o escoamento de riquezas na região, servindo tanto para a circulação de pessoas quanto para o transporte de mercadorias, o que contribuiu para o desenvolvimento econômico de Itapetininga ao longo dos séculos.
A localização da ponte também a transformou em um ponto de registro, onde se cobrava o chamado “quinto,” um imposto sobre os lucros da mineração, além do pedágio sobre os animais de carga que passavam pelo caminho. Essa arrecadação, como pontua o arquiteto, não só contribuiu para o desenvolvimento local, mas chegou a ajudar na reconstrução de Lisboa, capital portuguesa, após o devastador terremoto de 1755.
O pesquisador destaca que durante o auge do tropeirismo, no meio do século XIX, a cidade era um ponto de parada estratégica para o descanso de gado e para a preparação de mercadorias a caminho das Feiras de Muares de Sorocaba, que distribuíam os produtos por todo o país. “A ponte foi fundamental, especialmente no transporte e comércio de mercadorias que alavancaram o município e o consolidaram como rota principal para viajantes e mercadores”.
Historicamente, a ponte sofreu várias reconstruções, e documentos indicam que a última versão, antes da reforma, datava de 1927, feita inteiramente de madeira. A reforma recente preservou o material original, mantendo o caráter histórico da travessia, mas Igor explica que foram aplicadas técnicas mais modernas para garantir a durabilidade e segurança da ponte. Ele conta que, nos séculos passados, a construção de uma ponte sobre o rio envolvia diversos desafios. “Construir uma ponte com as limitações tecnológicas da época exigia esforço braçal, materiais locais e ferramentas manuais. Era difícil, especialmente considerando o desgaste natural da madeira e o efeito constante da umidade, que poderiam comprometer a estrutura rapidamente. Essas pontes antigas, como a ponte do Registro Velho, se tornaram marcos históricos, não apenas pelo seu papel no transporte de ouro e outras mercadorias, mas também como símbolos de uma engenharia artesanal adaptada aos recursos e limitações da época. Hoje, mesmo com tecnologias mais avançadas, reconstruções em madeira como a realizada recentemente, possuem muito mais instrumentos para sua realização, assim como o tempo de entrega da obra”.
A revitalização da Ponte do Bairro do Porto, finalizada no mês de junho e agora com 72 metros, beneficia os moradores que passam por lá diariamente. São aproximadamente 10 mil pessoas dos bairros Porto Velho, Cercadinho, Viracopos, Bairro das Antas, Fazendinha, Várzea e Varginha que usam a ponte como via principal para o centro. Chaves salienta ainda o papel da ponte na preservação cultural e na promoção do turismo. “Ela não é apenas uma travessia, mas uma conexão histórica. Os visitantes podem ver uma parte viva do tropeirismo e do período colonial paulista ao cruzarem essa ponte que conta, de fato, uma história que vai além do cenário urbano atual,” comenta.
A revitalização também abrangeu o caminho de acesso, com um piso intertravado sustentável que cobre cerca de 9 mil metros quadrados na Estrada Municipal Francisco César Rosa, contribuindo para a acessibilidade dos que por ali passam. O pesquisador sugere que o entorno da ponte, com as ruínas das casas bandeiristas na Estância Lucinda, também deve ser preservado para a valorização total desse passado tão rico. “Essas antigas construções, hoje em ruínas, têm paredes de taipa de pilão e taipa de mão, técnicas construtivas históricas e resistentes que refletem a arquitetura do período. Acredito que o tombamento do local seria um passo importante para que a região possa continuar a contar essa história, prevenindo que suas características originais se percam”.
Em sua visão, a conservação da ponte e das estruturas ao seu redor permite que Itapetininga mantenha uma conexão com seu passado, oferecendo às futuras gerações uma janela para o que foi a história econômica e social da cidade. “A preservação é crucial para que as pessoas vejam mais do que uma estrutura física: vejam um símbolo de resistência e um marco da cultura tropeira e bandeirante” conclui Chaves.
Reforma
No ano de 2014, o Correio havia noticiado que desde 2009, moradores da região estavam aflitos com o risco de desabamento da travessia. Após permanecer quase duas décadas fechada por conta da deterioração, a Ponte do Bairro do Porto foi reinaugurada no mês de junho de 2024, após três anos em obra, com um investimento de mais de R$ 2,6 milhões, vindos do Governo Estadual e Municipal.
Tombamento
Desde 2016, o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico Arqueológico, Artístico e Turístico (Condephaat) estuda o tombamento do conjunto formado pela ponte do Registro do Ouro e pelo Casarão do Porto.
Segundo o órgão, no ano de 2024, a ação está em fase de atualização de pesquisa para retornar ao conselho, que fará uma deliberação final pelo tombamento ou por seu arquivamento.