No decorrer das décadas, a cena teatral da cidade sempre revelou artistas de teatro, como a atriz Maria de Souza e o diretor José Luiz Holtz, o “Grilo”. Alguns se profissionalizaram, como foi o caso de Beato Ten Prenafreta realizando trabalhos em diversas locais do Brasil e do mundo. Outras montagens ganharam prêmios ou projeção nacional como a reportagem sobre “O Milagre de Anne Sullivan”, com direção de Margha Blóes, que foi exibida no Jornal Nacional. No movimento da cena amadora itapetiningana vários grupos marcaram época, como o grupo teatral Ciranda da Lua, principalmente na década de 1990, liderado por Maurício Lima.
Tudo começou em 1984, quando Antônio Balint abriu um curso de iniciação teatral. Entre os vários jovens inscritos, estavam amigos de longa data como: Jorge Abelardo de Barros, Herbert Mariano, Marco Aurélio e Robson Adilson, convidados por Benê Luiz, na época, assistente do Balint. Alguns atores experientes que já haviam realizado outros cursos no Centro Cultural, como Michel de Oliveira e Rosana “Nani” de Oliveira. Além de alunos do antigo colegial, como Maurício Lima. As aulas, que aconteciam aos finais de semana no Clube Recreativo, CRI, envolviam muitas dinâmicas corporais e vocais, em meio aos vários exercícios de improvisação, além de muita leitura. Como trabalho de conclusão, os envolvidos pretendiam criar uma montagem mais dramática, que falasse sobre assuntos nucleares, porém devido a divergências artísticas entre Balint e Benê, a ideia não se concretizou.
Entusiasmado com a dedicação apaixonada do grupo, Benê assumiu a direção artística, denominado posteriormente de Grupo de Teatro Itapetiningano. Durante cinco meses, ensaiaram “As Aventuras e Desaventuras de uma Mulher”, esquetes construídas com base no improviso. Com sonoplastia de Acácio de Moraes Terra, iluminação de Herbert e mais quatorze integrantes, o trabalho estreou em 20 de julho, no CRI. Com boa repercussão, lançou uma semente para o surgimento da mais importante trupes teatral na década seguinte.
Empolgados com a repercussão do trabalho, Benê sugere a montagem de “Pluft, o Fantasminha”, de Maria Clara Machado. “Lembro que o Benê chegou com o texto e distribuiu os personagens. Ele nos orientava sentado nas últimas fileiras do auditório do clube”, diz Jorge Abelardo que nessa primeira montagem foi o marinheiro Julião. “O Benê tinha uma direção mais ‘clássica’ e seguia à risca o texto”, conta Maurício que nesta versão fez o marinheiro Sebastião. Apesar da direção rígida, o jovem elenco se divertia muito com o processo. “Os ensaios eram mais despojados. A gente curtia muito. Fazíamos teatro nos divertindo”, relembra Michel, que atuou como o marinheiro João.
Foi durante os ensaios de “Pluft”, que surgiu o nome “Ciranda da Lua”. A montagem narrava o dilema existencial do fantasminha que tinha medo de crescer foi apresentada no CRI, entre os dias 7 a 14 de julho, dentro do “Projeto Criança”, tendo ótima repercussão. Além dos atores que interpretam os marinheiros, participaram Marco Aurélio (o pirata Perna de Pau), Mara Peixoto (Maribel), Rosana de Oliveira (Pluft), Solange Ruivo (mãe de Pluft) e Robson Adilson (tio Gerúndio).
“Foi um trabalho marcante para todos nós. Com boas lembranças. A peça tinha um cenário de fundo enorme, com quase três metros de altura. Em algumas cenas, os atores se jogavam pela janela e com a ajuda dos contrarregras caíam em segurança em um colchão escondido. Em uma das primeiras apresentações, o Rafael que era da produção comentou que o Michel em uma cena só iria ameaçar de pular. Na hora da apresentação eu o perseguia. Ele ameaçou de pular, girou o corpo e saiu. Eu estava logo atrás e quase vazei pela janela, não tinha ninguém atrás do painel. Com muita agilidade adquirida durante os ensaios, consegui virar o meu corpo e cair no chão do cenário. Foi um susto”, comenta Jorge Abelardo.
A montagem foi apresentada na escola Peixoto Gomide e na cidade de Boituva, mas com o termino da temporada, o elenco se desfaz e os integrantes seguem caminhos diversos. Maurício, por exemplo, começa a se dedicar a música tocando rock nas noites itapetininganas com a banda Corpo Sutil. Jorge foi um dos únicos integrantes que continuou se dedicando ao teatro amador. Auxiliou grupos em São Miguel e Capão Bonito, trabalhou na produção da “Paixão de Cristo”, fez “Uma Visita ao Reino de Abdul Amir” com Margha Bloes em Guarei e atuou em uma cena no programa do Silvio Santos, “Em Nome do Amor”.
O Retorno – Durante um encontro dos amigos Maurício e Jorge, em 1993, surge a ideia de remontar o grupo. “O Jorge botou fogo e pensamos em encenar novamente o ‘Pluft´. Da montagem original, somente eu e ele assumimos esse desafio, os outros integrantes estavam envolvidos com outras atividades. Resolvemos abrir um curso. Tivemos muitos interessados. Inicialmente as aulas aconteciam na minha casa, na Dr. Lobato, depois começamos a ensaiar no pátio da escola Darcy Vieira”, relembra Maurício.
Assim como aconteceu nas aulas na década anterior, os ensaios aos finais de semana enfatizavam a disponibilidade corporal para a cena e a voz. “Eu pesquisava muito na época. Aplicava muitas coisas dos livros de Boal, Viola Spolin, Stanislavski, nas aulas. Visitava a biblioteca daqui e do Centro Cultural São Paulo, fiz centenas de cópias de livros que falavam sobre teatro”, conta Maurício, que vai naturalmente durante os ensaios tornando-se o encenador dessa nova etapa. “Gradativamente, a gente foi formando a carcaça do grupo. Criamos mais do que uma companhia, construímos uma família. Era um grupo coeso. Lembro que depois dos exaustivos ensaios, aos domingos comíamos hot-dog e trocávamos muitas ideias, era demais!”, reflete.
Os resultados dessa nova fase foram “A Cartomante” e “Pequenos Trechos de uma Grande Obra”, trechos das peças de Shakespeare. “Qual ator que nunca quis encenar Shakespeare? Seus textos serviram de inspiração para a gente contar as nossas histórias. ‘Romeu e Julieta’ virou uma comédia. Eu era a Julieta e flertava com o Romeu, interpretado pelo Rogério Sardela”, conta Jorge. Intercalando com as apresentações do grupo Arco-Íris, as montagens cumprem temporadas de um mês no Centro Cultural. Ainda em 1993, o grupo apresenta “Pluft, o Fantasminha”, seu maior sucesso, no Grêmio Estudantino, atual Biblioteca Municipal.
A nova versão era totalmente diferente da encenação original. Maurício estimulava seus atores ao improviso do texto, porém quando o interprete ultrapassava o limite da concepção cênica, ele sempre redirecionava para a natureza do personagem, da cena. Como também atuava, foi criando um método de trabalho onde esquematizava cada detalhe, cada gesto, cada movimento. A música também teve um papel importante na estética da companhia. A marcante entrada dos marinheiros, que saiam do meio do público, sendo em cada apresentação de um ponto diferente. “Isso cativava a plateia. Os atores mexiam com as crianças que interagiam, fazendo o espetáculo pulsar”, conta Maurício. “Tínhamos liberdade para trabalhar. Então nas apresentações sempre inserimos as crianças no jogo”, conta Jorge.
No decorrer da trajetória da trupe, essa interação com a plateia irá se intensificar. Como a linguagem era mais despojada, o cenário era resumido ao essencial para o jogo cênico: cortinas, o baú e a cadeira de balanço. No elenco dessa nova montagem estavam Rogério Sardela, Edson Oliveira e Maurício Lima (Marinheiros), Jorge (Pirata), Renata Carriel (Maribel), Simone Parangaba (Pluft), Andreia Almeida (Mãe) e Michel Angellus (Gerúndio). A Iluminação e áudio ficou a cargo de Carlos Alberto.
“De repente a gente virou destaque. Acho que a nossa presença movimentou a cena local”, reflete Maurício. “A gente batalhou demais, se entregou muito para atingir a excelência artística. Uma vez, eu estava com a camiseta do meu time e um senhor me deu os parabéns. Achei que era por causa do campeonato que o São Paulo acabará de ganhar. E ele disse, ‘não, é por causa do seu trabalho no teatro’. Fiquei envaidecido. Éramos reconhecidos na rua”, comenta Jorge. O trabalho teve uma nova versão, em que estreou em 25 de março de 1995, ainda mais ousada: o grupo utilizava o espaço do Grêmio como camarim e depois, o grupo cantava a canção dos marinheiros pelas ruas até chegar no Centro Cultural, onde iriam se apresentar.
Em 1994, o grupo recebe novos integrantes advindos da escola Ernesta Xavier, encenando posteriormente a peça “Auto da Compadecida”, de Ariano Suassuna. “Conhecia o trabalho do Ciranda quando levei minha sobrinha assistir, quatro vezes, ao ‘Pluft’, no CRI. Anos depois, o Jorge fez o convite, éramos em torno de dez estudantes. Na época ficava fascinado pela excelente convivência das pessoas dentro e fora dos ensaios e apresentações. O Maurício sempre teve muito cuidado para que as coisas não se misturassem. Era um ambiente criativo, o grupo tinha uma assinatura marcante. Era uma pegada popular”, diz Fábio Jurera que fez o Bispo, em “Auto”. Além de Jurera, a formação do grupo na época contava com Jorge, Renata, Sardela, Simone, Alexandre Bosco, Alzira Camargo, Antônio “Tony” Carlos, Carlos Alberto, Fernando Andrade, Flávia Antunes, entre outros.
Rogério Sardela que iniciou sua aventura teatral com a Paixão de Cristo na década de 1990 destaca o trabalho árduo e persistente do Ciranda. “Para mim foi uma escola. Deixou saudades. Apesar de não ganharmos, todo o processo era profissional. Em ‘Pluft’ os atores conduziam a plateia com o olhar. Era fantástico”, diz Sardela. O ator fez seu último trabalho como Pedro Marmelo, em “Sonho de uma Noite de Verão”. “Até hoje lembro as falas”, comenta. Depois, o ator criou o grupo Corpo & Alma.
As dificuldades financeiras e os novos rumos profissionais e artísticos dos principais integrantes da companhia foram gradativamente findando as atividades do grupo. A última montagem do grupo foi “A Farsa da Boa Preguiça”, em 1999. “Nosso elenco foi reduzindo aos poucos. O aspecto financeiro pesou muito. Apesar do sucesso, não ganhávamos dinheiro. Existia somente a paixão. O nosso último trabalho tivemos o apoio do grupo do Arco-Íris para compor o elenco”, diz Maurício.
O fato é que o intenso trabalho criativo e colaborativo do Ciranda da Lua e de seus integrantes devem ser lembrados não somente domingo, dia mundial do teatral, mas constantemente como uma singular companhia itapetiningana de formação de plateia e de atores.
Principais Montagens
Pluft, o Fantasminha
A Farsa da Boa Preguiça
As Mil e Uma Noites
O Auto da Compadecida
Sonho de Uma Noite de Verão
Uma Mulher Vestida de Sol
Mais de 20 mil pessoas vivem na linha da pobreza
Em Itapetininga, 20.814 pessoas vivem na linha da pobreza, ou seja, aquelas cuja renda per capita mensal familiar não ultrapassa o valor de R$ 706, metade de um salário mínimo,...