Milton Cardoso
Especial para o Correio
Em seu primeiro livro “Trancoso: Quadrado em Metamorfose”, a itapetiningana Mariângela de Lara Moraes Daibert faz um retrato apaixonante da história, do cotidiano e da cultura de Trancoso, cidade localizada na Costa do Descobrimento, na Bahia. A autora conheceu o local em 1978, tornando-se posteriormente professora da comunidade entre 1980 e 1982, uma experiência que a marca definitivamente. Em 2002, escreveu sua tese de mestrado “Trancoso, uma História de Vida e Educação”, dissertação na qual entrevistou diversos nativos. Este trabalho acadêmico foi transformado agora em livro, que será lançado esse mês (data a ser definida), trazendo personagens e narrativas fascinantes, um convite para quem gosta de uma boa leitura sobre educação, cultura e história do Brasil.
Com um pouco mais de 100 páginas, o livro possui 12 capítulos, cada um mais envolvente que o outro. O capítulo 4, “Escola do Bosque: Magia e Educação”, chama bastante a atenção para quem gosta de estudar sobre os desafios da educação. O referido capítulo narra os obstáculos encontrados por uma professora municipal, recém-formada em Comunicação Social, no exercício de educar uma sala multisseriada com crianças e adolescentes de 2 a 18 anos em uma casa, transformada em escola, dentro do bosque localizado no final do tradicional quadrado de Trancoso.
Os erros e as descobertas dessa época transbordam de forma intensa na narrativa da autora, como por exemplo, a tentativa frustrada de trabalhar com o poema de Alberto Caiero “Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer, porque eu sou do tamanho do que vejo e não do tamanho da minha altura…” com filho de pescadores, a descoberta de Paulo Freire e relações carregadas de trocas, descobertas e experiências que irão modicar todos os envolvidos. Como escreveu o educador John Dewey, quanto mais a pedra que rola do topo de uma montanha revela seu trajeto, mais significativa será a sua experiência, pois ao impregnar o solo com sua marca também será impregnada pela terra, capim e flores de seu trajeto. Esta experiência enriquecedora que Mariângela traz e compartilha de forma sucinta, mas não menos precisa, no seu livro, inspira o leitor.
A Fama de Trancoso – Hoje a antiga aldeia de pescadores transformou-se em um dos polos mais procurado pelos turistas. Trancoso foi fundada por jesuítas, chamada de São João Batista dos Índios, em 1586. O vilarejo começou a ficar conhecido na década de 1970, quando os primeiros hippies chegaram ao local. Os hippies eram chamados de “biribandos”. “Biribando era o nome que os nativos davam aos andarilhos, ciganos e romeiros, que apareciam em pequenos bandos nas praias de Porto Seguro e Trancoso na primeira metade do século XX, e também aos primeiros ‘hippies’ ou alternativos dos anos 70”, explica a professora.
A “biribanda” Mariângela conheceu o vilarejo pela primeira vez em 1978. “Meu irmão, René Mattos, me convidou para fazer uma viagem de carro até Fortaleza pela Costa do Nordeste com amigos. Durante o trajeto, fizemos uma parada em Porto Seguro. A ideia do grupo era no dia seguinte continuar a viagem”, revela a autora. Em Porto Seguro, ela encontrou com um amigo que ia até Trancoso, como não podia atrasar o planejamento do grupo, “eu e o meu amigo saímos muito cedo. Caminhamos quase duas horas e meia a pé pela praia”, conta.
Ao subir a ladeira Mariângela se deslumbra com o famoso Quadrado de Trancoso, coração do vilarejo, com suas casas coloniais coloridas em volta de um grande gramado e a histórica igreja de São João Batista. Aquela imagem fica eternizada para sempre em sua memória, após uma refrescante água de coco no único barzinho do local, do Zé Barbudo, ela retorna. Tendo apenas a única certeza que um dia voltaria – e obviamente, sem saber, a transformaria.
Entre as conquistas e desafios educacionais nos anos que ficou em Trancoso, a autora resgata a história do local trazendo fatos conhecidos, ou não, um prato cheio para quem adora história do Brasil. Outro acerto do livro é narrar a transformação de uma nativa, Silvana. “Conheci a Silvana quando ela tinha um ‘puxadinho’, em 1980. Ela deixava bolo e suco de limão para os turistas, quem quisesse deixava uma contribuição. Eu e a minha amiga, Suzana, queríamos ir até a aldeia indígena de Barra Velha, que ficava a dois dias de caminhada do vilarejo. Silvana nos fez uma farofa de carne seca e nos deu um facão para atravessarmos a mata. Desde daquela época nos tornamos grandes amigas”, conta.
A escolha da bela pintura de Damião Vieira Conceição para a ilustração da capa é a cereja do bolo do caprichado livro. Damião foi um dos ex-alunos da escola do Bosque. “Ele iniciou desenhando a igreja em nossas aulas, quando levava os meninos para sentar no gramado frente à igreja e desenhar suas curvas e retas. É hoje um grande artista reconhecido em Trancoso, com quadros vendidos para vários lugares do Brasil e do Mundo”, conclui orgulhosa.
SERVIÇO – “Trancoso: Quadrado em Metamorfose”, de Mariângela de Lara Moraes Daibert. Editora Persistere. Prefácio da professora Cecília de Lara, coordenadora da Oficina Palavra, de Bauru.