Milton Cardoso
Especial para o Correio
Em tempos de redes sociais e YouTube, o fanzine ou “zine”, publicação alternativa produzida por fãs de um determinado assunto ou de variados temas (cinema, poesias, música, etc.) vem ganhando vários adeptos no Brasil e no mundo. Em Itapetininga, este tipo de canal de comunicação perdeu força, mas na década de 1990 haviam várias produções do gênero. Um dos pioneiros, e mais famosos, foi o “Epidemia” criado e editado por José Cláudio Fernandes Assunção, popularmente conhecido por Batatinha, e Celso (Celsinho) Antônio de Almeida.
“Epidemia” foi criado em 1994 e durou quase cinco anos. “O fanzine teve vinte e cinco números. As matérias tinham um enfoque mais regional. Nas nossas páginas a gente destacava muito artistas populares como o poeta do Monte Santo, Morenão, Zé Neves, João Coragem, entre outros. Para a impressão dos exemplares tínhamos o apoio da Câmara Municipal”, relembra Celsinho responsável pela arte e diagramação do fanzine.
Zé Cláudio Batatinha conta que na década de 1990 havia um forte movimento de fanzines pelo Brasil, principalmente na divulgação de bandas de rock e do rap. Entusiasmado em criar algo do gênero em Itapetininga, Batatinha procurou um parceiro para a empreitada. “Um dia estava dirigindo meu fusquinha e encontrei o Celsinho fazendo uma pintura em um muro. Parei meu carro e desci. Expliquei o projeto e ele topou na hora! Celsinho é um dos principais desenhistas da nossa geração. Além das ilustrações, no início, ele fazia a diagramação das páginas do fanzine”, conta.
Cheia de ousadia e experimentalismo, o fanzine (a palavra vem do inglês “fanatic magazine”), surgiu nos Estados Unidos na década de 1930, porém se popularizou principalmente com a cena musical punk e alternativo entre as décadas de 1970 e 1980, representando a máxima punk do “Do it Yourself” (“Faça você mesmo”). Os fãs faziam entrevistas, escreviam, datilografavam, desenhavam e colavam matérias, utilizavam-se da fotocópia para divulgarem e trocarem ideias. Era muito comum, incentivarem e divulgarem outros fanzines, geralmente gratuitos.
Uma das premissas da produção de fanzines é a solidariedade e a produção coletiva de seus colaboradores. Ciente disto, Zé Cláudio Batatinha procurou outros amigos para produzirem conteúdos para os diversos números da publicação. “A Thais Proença foi uma de nossas colaboradoras e produzia matérias com um conteúdo mais ‘romântico’. A produção do Rogério Ferreira era intensa. O Pedro Paulo Rodrigues, que tinha uma banca de jornal na praça em frente ao hospital, participou muito. Outro amigo muito importante foi o saudoso Juliano Nascimento, que com 14 anos tocava como poucos, muito influenciado por Jimi Hendrix. Ele era um grande entusiasta do rock. Pedia a ele fazer entrevistas com as bandas de rock e nos trazia matérias muito bacanas”, recorda Zé Cláudio Batatinha.
Celsinho guarda várias edições do “Epidemia” em sua residência na Vila Rosa. Entre as diversas “pérolas” de sua coleção destacam-se a edição 24, “Raízes” (novembro/dezembro de 1997).
Nesta edição, de nove páginas, Juliano Nascimento entrevistou o violeiro Abel da Viola, o músico Aparício Pires, Edison de Abreu Souza (o Poeta), João Coragem, Durvalino da Rocha e a dupla Renato e Vick. Bob Vieira entrevistou o cururueiro Morenão e o violeiro Marcílio da Rocha. As entrevistas de violeiro Zé Martins e cantador de Cururu Zé Neves foram realizadas pelo editor Zé Cláudio Batatinha. Com tiragem de 200 cópias é um verdadeiro tesouro.
A produção colaborativa do “Epidemia” e o incentivo a publicação de outros “zines” era muito coerente com o pensamento dos fanzineiros. O desejo da dupla Celsinho e Batatinha, como escreveram no editorial da segunda edição, era que o fanzine “criado para difundir ideias” abrisse “espaço para as pessoas que tem algo a dizer. Ele abrange a parte cultural da cidade e região, reunindo escritores e desenhistas de várias cidades. Se você está lendo este fanzine agora ‘pensa, logo você existe’; então não fica parado e comece a escrever. Reúna amigos, cada qual escreve um texto, quem souber desenhar, executa a parte artística e monta seu próprio fanzine. Dê um nome, tire xerox, divulgue suas ideias, seu pensamento e seu trabalho”, escreveram em 1994.
“Teve muita produção bacana na década de 1990. O Luiz Cláudio fez o fanzine ´Não Racismo’, lembro do trabalho transgressor do Rogério Ferreira e o humor tipo Casseta e Planeta do fanzine ‘Pai José News’, editado pelo Gui e sua turma. E teve também o ‘Esclerose’ editado pelo Celsinho quando encerramos as atividades do ‘Epidemia’. Fizemos vários encontros sobre fanzine no Centro Cultural até 2000, muita coisa boa.”, diz Batatinha. Entusiasta sobre o assunto, ele relembra que coordenou posteriormente a produção de fanzines na Casa do Adolescente, após o convite de Regina Soares. O fanzine teve várias edições até 2011.
Numa época de muito conteúdo digital, resgatar a ideia de produção de fanzines no formato físico pode ser uma atraente canal de comunicação, criativo, lúdico e de baixo custo. Os “zines” tem sido cada vez mais valorizados segundo especialistas. Em São Paulo, em 1999, ocorreu a Feira Mundial de Fanzines e Histórias em Quadrinhos com a exposição de 200 títulos de “zines” segundo a reportagem da Folha de São Paulo. No âmbito educacional, muitos educadores indicam seu uso em sala de aula, que fortalecem vínculos de amizade e troca de ideias.
Epidemia – Quando o senhor começo a fazer poesias?
Poeta – Depois da 2ª Guerra Mundial. Eu presenciei o desfile que teve em São Paulo, e acabei fazendo a poesia, e não parei até hoje. São mais de 100.
Trechos extraídos do fanzine “Epidemia”, nº 24
Bob Vieira – O senhor poderia citar alguns cururueiros famosos de Itapetininga e região?
Morenão – De Itapetininga eu me lembro do Zé Correia que trabalhava de bucheiro, gostava de cantar, manobrava tudo (agitava os eventos) e era muito bom. Também havia o Dito João, que ficou 20 anos sem cantar, até que o João de Deus do bairro do Cercadinho, me disse que o Dito João gostaria de voltar a cantar, mas só se fosse comigo. Então cantamos juntos um cururu muito especial, pois ele cantava bem e algumas pessoas que assistiram até choraram. (…)
Trechos extraídos do fanzine “Epidemia”, nº 24