Milton Cardoso (especial para o Correio)
Há 91 anos o Itapetininga Júlio Prestes era a personalidade na capa da Revista norte-americana Time. O político faz parte da exclusiva lista de nove brasileiros que já estamparam a capa da publicação, sendo seis presidentes, um diplomata, um herpetólogo e um atleta.
O Correio desta semana traz além de uma tradução e adaptação da reportagem publicada em 23 de junho de 1930 pela Time uma análise histórico-social do contexto da entrevista e da situação do país na época.
A tradução foi feita pela estudante de pedagogia e professora de inglês, Giulia Moraes e as análises elaboradas por Gustavo Boechat, historiador e por César Felipe Rodrigues, licenciado em história e mestre em Educação Sexual.
A introdução
BRASIL: PRESTES E HOOVER.
Recentemente, o Presidente Hoover e seu bom e endinheirado amigo, Eugene Meyer Jr., tiveram uma conversa tranquila. O tempo estava esquentando. E a Senhora Meyer, talvez estivesse apressando um pouco sua partida para a propriedade rural dos Meyers. Isso deixaria a mansão deles, em Washington, livre para servir como casa e lar por quatro dias para o eleito Presidente Júlio Prestes que chegou semana passada, em Washington com seu lindo filho, Fernando.
Os brasileiros não teriam se surpreendido se o presidente Hoover tivesse desocupado sua Casa Branca e instalado o Prestes nela. Quando o Sr. Hoover, ainda como presidente eleito, visitou o Rio de Janeiro, o hospitaleiro presidente Washington Luis, do Brasil, mudou de sua residência oficial, o Palácio da Guanabara, para que assim, dentro de 60 horas, o Sr e a Sra Hoover se mudassem.
Elogios
O popular Prestes. Desde a visita de Ramsay MacDonald e sua filha Ishbel, a socialite Washington não ficava tão impressionada como estava por Julio Prestes e seu filho Fernando. Com dignidade, eles habilmente representaram os 20 Estados Unidos do Brasil, quase tão populosos quanto as ilhas das quais o Sr. MacDonald é o primeiro-ministro, e 258.530 milhas quadradas maior do que os 48 estados dos quais o Sr. Hoover é presidente.
Negócios
Negócios são negócios: Café é Café. Quase todos os dias da semana passada o Presidente eleito Prestes negou que sua vistita tivesse realiconada com o famoso empréstimo de $97,000,000 para café (TIME, April 21) agora totalmente aceito, que foi lançado na Grã-Bretanha e nos EUA para subsidiar o superávit brasileiro acumulado de 16.500.000 sacas e evitar que o preço do café despencasse.
Futuro
Em seu banquete, a declamação do Sr. Hoover não tentou (como o Sr. Stimson anteriormente) falar com fervor, mas suas observações cuidadosamente lidas continham um excelente superlativo:
“Não precisa ser um profeta para dizer que o futuro do Brasil é de infinitas possibilidades”
Revista time
Time é uma das mais conhecidas revistas de notícias semanais do mundo, publicada nos Estados Unidos. Uma edição europeia também é publicada de Londres, e cobre o Oriente Médio, a África e a América Latina. Além disso, uma edição asiática é editada de Hong Kong. Uma edição canadense é editada de Toronto. A revista com circulação média de 3,3 milhões de exemplares foi criada em 1923
Ao total, nove brasileiros já foram capa da revista, sendo seis presidentes, um diplomata, um herpetólogo e um atleta: Afrânio do Amaral (1929); Júlio Prestes (1930); Getúlio Vargas (1940); Osvaldo Aranha (1942); Café Filho (1954); Juscelino Kubitschek (1956); Jânio Quadros (1961); Artur da Costa e Silva (1967) e Neymar (2013).[6]
A banda mineira Pato Fu foi eleita em 2001 pela revista como uma das dez melhores bandas do mundo. O presidente Luis Inácio Lula da Silva foi eleito como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo em 2010 pela revista. A presidente Dilma Rousseff foi eleita como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo em 2011 pela revista. O Presidente Jair Bolsonaro foi eleito como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo em 2019 e 2020 pela revista. O Youtuber Felipe Neto foi eleito como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo em 2020 pela revista.
Gustavo Boechat, historiador
- Julio Prestes na capa da Revista Time: um exercício histórico de descolonização e de racismo cultural
Em 23 de junho de 1930, a Revista Time publicou uma reportagem de capa do então eleito a Presidente da República do Brasil, o itapetiningano Júlio Prestes, em que descreve a estadia do político nos EUA, onde visitou as cidades de Washington e Nova York. Recepcionado cordialmente pelo então presidente estadunidense, Herbert Hoover, J. Prestes é descrito pela Time como um brasileiro educado, civilizado e polido. Em relação ao Brasil, citando os discursos políticos, a revista aponta a potência econômica natural proporciona para um futuro brilhante de desenvolvimento.
Aparentemente, a Time fazia elogios à J. Prestes e ao Brasil. No entanto, ao fazermos a leitura observamos que tais elogios acompanhavam de racismo e preconceitos velados nas entrelinhas do texto a ambos. Para a compreensão desses desacatos, incialmente temos que refletir sobre dois conceitos históricos importante e, posteriormente, fazer a leitura da reportagem.
O pensamento descolonial faz uma crítica ao eurocentrismo como pressuposto civilizatório, o qual é caracterizado pelo capitalismo, republicanismo liberal, imperialismo, a modernidade hegemônica e centrado no homem. Caberia as minorias sociais e outros continentes seguir tais pressupostos para alcançar o desenvolvimento econômico, social e político. Caso não conseguissem, o pensamento eurocêntrico os responsabilizaria pelo seu fracasso, desconsiderando o contexto colonizador e as suas desigualdades produzidas.
A Time apresenta o seu pensamento colonizador ao apontar as características pelo que entende por “tradição latina”, ao descrever um discurso de J. Prestes, composto por um “peito furioso, a metáfora florida e o palavrão torrencial”. Ora, o eurocentrismo, junto ao estaducentrismo, consideram a região chamada América Latina atrasada economicamente, primitiva culturalmente e bárbara socialmente. A revista mostra o político itapetiningano como “correto e polido”, que, intrinsecamente se encaixava aos pressupostos racionais e civilizatórios eurocêntricos e perpassa o pensamento latino como carregado de emoção e pouco racional.
O segundo conceito se remete ao racismo cultural, o qual o sociólogo brasileiro, Jessé Souza, o descreve como um projeto criado nos EUA na década de 1930, como um engenhoso esquema a partir do qual se tornaria a influência máxima da teoria da modernização no mundo, se desenhava no Brasil a sua contraparte “vira-lata”. Os estadunidenses construíram uma autoimagem de superioridade no mundo, objetivos, pragmáticos, antitradicionais, universalistas e produtivos, enquanto que os brasileiros como pré-moderno, tradicional, particularista, afetivo e com uma tendência irresistível à desonestidade. Com certeza, mais uma marca do pensamento colonizador difundida pelo cinema, pela política e pelo campo intelectual, como Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Jr e Gilberto Freyre.
Na reportagem em questão, a Time apresenta um trecho do discurso de J. Prestes em um jantar diplomático nos EUA, que nos revela esse racismo cultural velado e o pensamento colonizado do político: “A civilização da América é a maior afirmação da inteligência e da capacidade de um povo! Crescimento vertiginoso! A palavra ‘energia’ parece ter sido planejado para expressar e definir a vida americana em todos os seus aspectos, mesmo nas suas manifestações mais espirituais, mesmo quando aparece como energia moral, irradiando coragem, altruísmo e companheirismo humano, afirmando sua civilização por atos de ousadia e ações de boa vontade, de confiança e de fé no destino do homem, na paz, na liberdade e na justiça das nações”.
Desse modo, refletimos a partir da leitura da fonte jornalística, um exercício histórico de como lidamos com os nossos pensamentos e ideologias, que podem ser marcados por preconceitos contra nós mesmo. Conhecer para refletir e, posteriormente, nos transformarmos para agirmos de um modo diferente. O racismo cultural afirma que o problema da corrupção do povo brasileiro se deve às suas raízes indígenas, africanas e ibéricas e negligencia a verdadeira causa, a desigualdade social, segundo Jessé Souza. Nessa direção, a descolonialidade pode expressar-se de maneira significativa nas várias formas de pensar da sociedade latino-americana. Considerando as modificações e transformações contemporâneas do contexto mundial, o pensamento descolonial posicionasse criticamente perante o grave cenário de pobreza e desigualdade dos países da América Latina, o que significa refletir sobre as relações de colonialidade presentes na economia e na política mundial. Cabe aproveitarmos a lição do passado, a capa da Times referente a J. Prestes, para pensarmos o presente.
César Felipe Rodrigues, licenciado em história e mestre em Educação Sexual
- Júlio Prestes em uma visita histórica
Em junho desse ano, dos dias 11 ao dia 20, faz 91 anos que Julius Prestes, eleito presidente do Brasil em 1930 – através do sistema coronelista característico da República Velha – é recebido em Washington pelo presidente estadunidense Herbert Hoover. Essa visita lhe rende uma entrevista no The Times tornando-o primeiro Brasileiro a sair na capa da revista.
Mas o que tinha Julius Prestes de tão importante para tais honras? Para responder essa questão é preciso contextualizar o período. Em 1929 os EUA sofrem a primeira e maior crise econômica, o que irá proporcionar um efeito em cadeia que abala o sistema capitalista do Ocidente. A 1º Guerra Mundial, a crise de 1929 e a 2ª Guerra foram fortes golpes para potências capitalistas mundiais que disputavam pela hegemonia dos mercados mundiais. Esse período foi tão caótico que recebeu a cunha do historiador inglês Hobsbawm como a “Era da Catástrofe”, período que compreende 1914 a 1945.
Outros fatores importantes são os processos de independência da América Latina durante o século XIX e o início da expansão Imperialista das potências europeias. O panamericanismo, termo cunhado pelo movimento de Simon de Bolivar que lutou para a manutenção de um único território que a colônia espanhola poderia vir a ser ao obter a independência, é emprestado pelos EUA para convencer os Latinos a aliarem-se economicamente e culturalmente ao país, daí o termo “América para os americanos”. A ironia nisso é que o movimento de Bolivar foi impossibilitado pelos interesses do EUA e Inglaterra que auxiliaram as oligarquias regionais nos movimentos separatistas, resultando na fragmentação da colónia espanhola em diversas repúblicas, não oferecendo assim, ameaça aos projetos de hegemonia econômica dos EUA para o continente.
Os EUA, “inspitrado” pelos países europeus, buscava expandir seus mercados econômicos, e enxergava aqui na América o mesmo que as potências europeias enxergavam na África e na Ásia. Esse impulso imperialista dos EUA – com características diferentes daquelas desenvolvidas pelas nações europeias – passou a influenciar os rumos políticos dos países latino-americanos. Devido a esses interesses econômicos, o governo norte americano passa a monitorar de perto os processos políticos, interferindo quando pode para manter sua liderança econômica e modelo de civilização a se seguir.
A crise de 1929 afeta diretamente na economia de alguns países que tinham nos EUA seu maior consumidor de commodities. No caso do Brasil, os EUA consumiam 70% dos produtos que eram exportados. A crise, gerou um aumento da instabilidade econômica, afetando empregos, e essas insatisfações somando-se com insatisfações históricas poderiam resultar em movimentos mais radicais, o que preocupava os EUA que temiam uma possível revolução comunista (lembrando da revolução de 1917 na Rússia) em território americano.
O governo norte americano preocupava-se com as instabilidades e com movimentos que apoiavam candidaturas que não estavam alinhadas aos seus interesses ou que poderiam significar rompimentos, inseguranças, como a candidatura de Vargas, por exemplo. Era preferível que lideranças já alinhadas aos interesses dos EUA, conhecidas, mantivessem o poder. É nesse contexto que a vitória de Prestes, sinaliza estabilidade e continuação da influência norte americana no território brasileiro, já que Washington Luiz, presidente antecessor, mantinha relações próximas com o presidente Hoover e apoiava a candidatura de Prestes. Logo ele não apresentava ameaças ou instabilidades para o governo norte americano.
É nesse contexto que Prestes é convidado a Casa Branca após sua vitória (cerca de 300 mil votos de diferença) e é recebido pelo presidente Hoover. Diversos documentos compravam a preocupação e o alívio do governo norte americano em relação as eleições de 1930 no Brasil, visto o contexto de instabilidade do período. Assim, por pouco tempo, a vitória de Prestes significava a manutenção da relação e influência que o EUA mantinha com o país. Além disso demonstrava o apoio dos EUA ao presidente brasileiro. O convite da visita tinha como intuito acalmar os ânimos dos revoltosos que começavam a surgir no país, o governo norte americano buscava demonstrar seu apoio e assim dar mais substancialidade ao presidente Prestes. Porém mesmo com o apoio dos EUA, os movimentos brasileiros insatisfeitos com o resultado das eleições e com a manutenção das mesmas oligarquias no poder, levam ao fim as ambições de Prestes em assumir a presidência. Ele sustentou o título de presidente eleito apenas por 4 a 5 meses, até a tomada do poder por Vargas.