Gilberto Amendola – Sem o chapéu e sem os óculos característicos, o sujeito que vem abrir o portão do Conjunto Habitacional do bairro de Taipas, na Zona Norte de São Paulo, fica parecendo um embaixador austríaco ou, quem sabe, um diplomata húngaro. Impressão que vai embora logo no primeiro minuto. “Aqui é tão longe… eu moro onde o cavalo do bandido fez cocô. Como vocês me encontraram? Vamos subir para tomar um chá de urubu, um filé de bule”, diz o sambista Germano Mathias, 74 anos. “Chá de urubu” e “filé de bule”, na língua de Germano Mathias, significa cafezinho. “Ando em estado de graça com a imprensa, malandro. Voltei a ser o Marlon Brando da Barra Funda”, diz nosso anfitrião. Germano está na crista da onda porque acaba de ser lançada uma biografia sobre ele “Samba Explícito – As Vidas Desvairadas de Germano Mathias”, escrito pelo compositor e advogado Caio Silveira Ramos (ed. A Girafa). “Dia desses dei mais de 100 autógrafos”, comenta.Antes de entrar no apartamento, Mathias conta que conseguiu aquele teto por influência da ex-primeira dama do Estado, Ilka Fleury, mulher do ex-governador Luiz Antonio Fleury Filho. “Foi um favor dela. O apartamento não tá nem no meu nome. Tá no nome da minha nega, a Ivone Bole Bole.” Germano, o catedrático do samba, o pai do ritmo sincopado, músico e compositor da mesma estirpe de Adoniran Barbosa, divide o pequeno apartamento com a mulher e o netinho. “Se eu acho que tenho o reconhecimento que eu mereço? Não. Claro que não. Um tempo atrás, um professor de astrologia fez meu mapa astral e disse que eu tenho o carma da injustiça.”A reportagem repara em uma imagem de Nossa Senhora que está na sala. “Você é religioso?”. O sambista se arruma na cadeira e responde: “Sou metafísico. Acredito no budismo, espiritismo, hinduísmo, catolicismo, taoísmo, xamanismo e em todos os ‘ismos’, menos, é claro, no comunismo.”Mas Germano garante que está se recuperando. “Tive muito reconhecimento, mas depois veio o Iê-iê-iê e a coisa ficou muito difícil pro meu lado. Agora, acho que esse carma chegou ao fim. Tô me levantando aos poucos”. No meio da conversa, dona Ivone traz café. Germano avisa que foi conquistado por ela graças ao ‘chá de urubu’ coado na calcinha. Ivone cai na gargalhada. “É mentira. Nosso namoro começou na gafieira do clube paulistano em 1974, em pleno 12 de junho, Dia dos Namorados. Ele me viu e não me largou mais.” Apesar da algazarra, Bruno, o netinho de Germano, não sai do quarto. “Ele não gosta de samba, prefere funk e rap. Eu não forço. Fazer o quê, né?”Para começar a entrevista (que na verdade já tinha começado), Germano Mathias guarda uma máquina de escrever Olivetti que estava sobre a mesinha da sala. “Não gosto de computador. Escrevo tudo em máquina de escrever”, diz. A reportagem emenda. “Ah, você compõe na máquina de escrever, escreve os sambas aí?” O catedrático responde: “Nada. Uso para anotações, faço uma agendinha. Não componho mais. Perdi a inspiração”, afirma.
Germano diz que não faz mais samba novo porque a pirataria e as gravadoras acabam ficando com todo o dinheiro. “Mas ainda faço shows. Tenho CDs lançados no Japão e um DVD que é o maior sucesso”, garante. Do passado, lembra com carinho, mas não vive de saudade. “Lembro do tempo da latinha. De tirar o som da lata. De fazer sucesso. Poxa, eu já fui capa de revista ao lado do Pelé. Ele de latinha na mão, e eu com a roupa do Santos. Onde já se viu um corintiano vestindo a roupa do Santos?”
O sambista está animado com a volta do Corinthians para a primeira divisão. “O Timão é mais que um time. É uma religião. Por isso, quem faz gol contra o Corinthians está cometendo um pecado e deve ir para o inferno.” O sambista quer ver seu time jogando e goleando o Palmeiras e o São Paulo outra vez.
Germano Mathias fala do samba sincopado (aquele que não permite firulas melódicas, aquele em que a letra vai cobrindo os espaços da música, quase uma gafieira). Diz que hoje em dia o pessoal só quer saber de pagode. Reclama, sem ser amargurado. Não perde a irreverência por nada nessa vida. “Gosto de Oswaldinho da Cuíca e do grupo Quinteto em Preto e Branco.” Aliás, dá uma pausa no bate-papo, olha para o cabelo do repórter e pergunta: “Como eu faço para dar um tapa de elegância na minha lã? Como faço para dar um tombo no meu telhado? Ou como posso embelezar minha marquise? Quero deixá-la igual à sua”, diverte-se o sambista.A reportagem repara no número de dicionários e enciclopédias espalhadas na sala do compositor. “Sou um autodidata. Mas isso aqui não é por causa de estudo, não. É que sou viciado em palavras cruzadas. Faço três por dia. Sou bom pra caramba. Se tenho dúvida, vou logo consultar um dicionário.”
Ao final da conversa, Germano Mathias coloca algumas de suas músicas em um aparelho de CD. Ele não se faz de rogado. Canta e dança como se estivesse se apresentando para uma numerosa platéia. “Diz aí que a renda dos meus CDs e livros serão revertidas para um sambista pobre e desamparado. No caso, eu mesmo.”
SERVIÇO
“Samba Explícito – As Vidas Desvairadas” de Germano Mathias’ (ed. A Girafa), de Caio Silveira Ramos. R$ 52
Itapetininga encolhe e perde 5 mil eleitores , diz TSE
Neste ano, Itapetininga reduziu seu contingente de eleitores que irão às urnas para escolher o prefeito e os vereadores no dia 6 de outubro. Conforme o Tribunal Superior Eleitoral (TSE),...