Thais Maria Souto Vieira
Cientista Social
Especial para o Correio
Entre as obras que se tornaram marco para a construção do pensamento social brasileiro, uma se destaca para quem tem especial preocupação com as raízes históricas de nossa cidade: o texto “Preconceito de marca – as relações raciais em Itapetininga” do sociólogo Oracy Nogueira.
Oracy fez parte de um círculo de grandes pensadores brasileiros e por esse motivo foi convidado a participar de uma pesquisa encomendada pela UNESCO para refletir sobre a questão racial no Brasil na década de 40. Na época ele realizava um estudo de comunidade em Itapetininga e por fim realizou também aqui seu relatório sobre a questão racial, visto que Itapetininga foi sim uma cidade escravocrata no passado e acabou se tornando lócus de um estudo que fala de uma realidade mais ampla. Oracy fez uma verdadeira “escavação” de dados buscando documentos históricos, dados estatísticos e principalmente fontes jornalísticas retomando até um século atrás nos primeiros jornais de nosso município. A pesquisa aponta ainda como se deu o movimento abolicionista na cidade e as personalidades negras de resistência que tiveram sua importância na transformação desse passado. Uma das partes interessantes da obra é perceber como um Cientista Social trabalha, usa sua metodologia para estudar e desenvolver a temática e entrevistar pessoas. A temática é densa. Fala de um passado que muitos preferem esconder mas que precisa ser retomado para que não continue a se reproduzir. Os trechos retirados de notícias dos primeiros jornais do município são indigestos: relatos de assassinato e suicídio envolvendo escravos que fugiam, meninas de 12 anos que morriam de tanto apanhar após serem capturadas, anúncios de venda de escravos, etc.
Após a coleta de diversos dados Oracy realiza também entrevistas e colhe relatos que o levam a construir uma forma de observar como o racismo se dá em nosso país: através do preconceito de marca. Diferente dos EUA onde o preconceito se dá a partir do conhecimento da origem da pessoa, independente do fenótipo, no Brasil ele está intimamente ligado a gradação da cor da pele: a pele mais escura traz uma possibilidade maior de alguma dinâmica racista, e de o indivíduo ser alvo do racismo. Isso explica porque em partes o Brasil valorizou e incentivou a imigração europeia no século passado na tentativa de promover um “branqueamento” da população. Uma política de imigração que carregava seu cunho racista.
Uma das questões mais relevantes trazidas por fim pela obra de Oracy Nogueira é a de que o racismo é uma construção social. Sendo então algo “construído” o racismo pode também ser “desconstruído” através de consciência histórica, acesso à informação e valorização da população negra e suas manifestações culturais em nossa cidade.