Milton Cardoso
Especial para o Jornal Correio
Hoje, a partir das 19 horas no Teatro do SESI, o jornalista nonagenário Alberto Isaac autografará o segundo volume do livro “Vivas Memórias”. São mais de cem crônicas selecionadas pelo filho, Fuad, originalmente publicadas neste jornal.
Alberto é um dos mais respeitados jornalistas da nossa cidade. Membro da Academia Itapetiningana de Letras participa intensamente na preservação da memória da cidade, através de suas crônicas semanais neste caderno. Resgata com destreza ímpar fatos, personagens e histórias de uma cidade que ele ama. Na coletânea a ser lançada hoje, o leitor poderá perceber um olhar apaixonado e crítico de um cronista que viu a cidade se desenvolver a partir da década de 1930, mas que confessa: “Sou encantado com a década de 1950, os Anos Dourados”.
Origens – Alberto Isaac nasceu em 8 de setembro de 1925, penúltimo filho num total de sete, do casal Abrahão Isaac e Bahija Raid. Seu pai desembarcou no Brasil em 1906, vindo da cidade de Hameh, localizada no distrito de Trípoli, ao norte do Líbano. Morou na cidade de São Miguel juntamente com outros familiares que vieram antes ao país, fugindo dos problemas causados pela ocupação otomana na região árabe. Na cidade vizinha, Abrahão conheceu e casou-se com Bahija. Quando se mudaram para Itapetininga, o casal adquiriu um bar no centro da cidade. Porém o investimento não deu certo e a família mudou-se para o interior do Paraná.
Início da paixão – Foi na pequena cidade paranaense de Quatingá que a paixão do menino Alberto pelo jornalismo despertou. Para ajudar seu pai, Alberto com sete anos na época, começou a entregar o jornal “Estado de São Paulo”, a pouco mais de dez assinantes da cidade. O jornalista relembra: “Ficava feliz quando via o trem chegando na estação. Eu retirava os exemplares do jornal. Sentia o odor da tinta no papel que se misturava com o cheiro de terra das ruas de Quatingá. Este cheiro nunca mais saiu de minha memória”, diz, saudoso.
Depois de cinco anos em Quatingá, a família retornou a Itapetininga e Abrahão começou a vender fumo de corda na cidade, Alberto juntamente com os irmãos ajudavam o pai no ofício. Durante a adolescência começou a trabalhar no Cine Olana, próximo da sua casa. Como porteiro do setor da Geral pode assistir muito filmes na charmosa sala de exibição na rua Monsenhor Soares. E lembra com bom humor quando foi “promovido” a porteiro dos disputados camarotes do cinema, durante o afastamento do colega de trabalho por motivos de saúde. Durante este período pode assistir o cultuado drama “E o Vento Levou…” com os astros Vivien Leigh e Clark Gable.
O Magistério – Depois que terminou o ginásio na escola Peixoto Gomide, ingressou no curso Normal no Ginasinho. Formado, lecionou na cidade do Ribeira juntamente com o amigo, José Mourad. Eles embarcavam no ônibus na segunda-feira, às 6 horas da manhã, e passavam a semana inteira trabalhando na distante cidade do Vale do Ribeira.
Dessa época, lembra do constrangimento que ele e o amigo passaram quando embarcavam no ônibus. “Eu e o Mourad tínhamos mais de vinte anos. Nossos pais chegavam antes e disputavam com as outras professoras os assentos no banco do ônibus. Durante toda a viagem ficávamos ouvindo os passageiros cantarem: ‘Albertinho, Murazinho, olha seu lugarzinho”, recorda rindo.
Talentoso como poucos no exercício da escrita, em 1948, Alberto foi premiado com uma bela quantia em dinheiro, num concurso da Rádio Nacional. Seu conto “A Pianista” foi dramatizado pelos atores da renomada emissora. “Era uma história de uma pianista, que enlouquecida, jogava o piano pela janela de sua casa”, diz.
Primeiras reportagens – No início da década de 1950, começou a escrever como correspondente do “Estado de São Paulo”, a partir de uma indicação de um fotógrafo do jornal. Com competência escreveu a seção “Interior” durante quarenta e cinco anos cobrindo as principais notícias da região como o marcante incêndio na sede da Sul Paulista, em 1958, ou o enterro do poeta Nhô Bentico, em 1952.
Foi na frente do Clube Recreativo que conheceu sua esposa, Dona Eza. “Estava conversando com um amigo em frente a charutaria, na Monsenhor Soares, de repente um vento levantou a saia de uma normalista que passava no outro lado da rua. Pude ver o tornozelo da moça e ouvi a sua tia comentar: ‘O filho do Abraozinho olhou para você!’. Depois deste fato, começamos a namorar e nos casamos, quando ela terminou o curso de normalista”, conta.
Casamento – Em maio de 1959, na igreja de São Miguel, Dona Eza falou “sim” a Alberto. Na melhor tradição árabe a festa durou três dias seguidos. Dessa duradora união, tiveram três filhos: Silvana, Fuad e Andréia. Juntos compraram o box 66 no Mercado Municipal e hoje, são considerados os mais antigos comerciantes do complexo popular, que comemorou nesse ano, sessenta anos de atividades.
Durante muito tempo a rotina de Alberto Isaac foi intensa. De manhã lecionava no Instituto Penal Agrícola, à tarde trabalha na loja e à noite escrevia para o jornal, em sua residência na Vila Palmira. Fuad Isaac registrou o sentimento dessa época no belo poema “Mãos de Poeta”, publicado no livro “Santa Insaniedade” (esgotado).
Entre tantas entrevistas marcantes, uma delas publicada no “Estado” na década de 1980, teve uma enorme repercussão. O político Jânio Quadros fez uma palestra em uma faculdade da cidade. Logo depois, concedeu uma entrevista exclusiva ao jornalista Alberto, onde falava entre outros assuntos, de detalhes de sua renúncia da presidência em 1961. A notícia veiculada no jornal rendeu uma nota do polêmico jornalista Paulo Francis, direto de Nova York.
Aos poucos, Alberto Isaac começou a se dedicar a crônica abandonando gradativamente o exercício de reportagem diária. Na região colaborou com os jornais “Folha de Itapetininga”, “Tribuna Popular”, “Jornal Regional” e no “Diário de Sorocaba”. Desde 2005, escreve exclusivamente para este semanário. Seus textos são os mais lidos e comentados pelos leitores, com histórias cheias de poesias que misturam ficção e realidade numa combinação única de quem domina a arte da escrita como poucos. Crônicas que resgatam Itapetininga, sua gente, sua tradição e suas histórias, preservando a memória que nunca deve ser esquecida.
Homenagem – Antes do jornalista autografar seu livro, o público presente poderá assistir à montagem “Crônica de um Amor Esquecido”, às 19h. A peça será novamente encenada no sábado, 14, às 15h. (Verificar a disponibilidade de vagas pelo telefone 3275-7952). O espetáculo é uma produção do Núcleo de Artes Cênicas do SESI Itapetininga.
“Crônica de um Amor Esquecido” foi inspirada livremente na crônica “Ode aos que se sacrificam por amor” (republicada no volume II). A primeira versão da peça aconteceu em 2016 com grande sucesso de público. Na atual montagem, o espectador irá perceber que outros fatos ocorridos na cidade durante a década de 1950, bem como pessoas reais ou fictícias, presentes nas histórias do maior mestre da crônica itapetiningana.